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Acórdão 410/99/T, de 10 de Março

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Texto do documento

Acórdão 410/99/T.Const. - Processo 199/98. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - 1 - Suzete Marques Lourenço Freite e Maria Romana Cipriano Ramalho Ramos Covita interpuseram, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 26 de Agosto de 1996, recurso contencioso de anulação do despacho do brigadeiro director de Administração e Mobilização de Pessoal do Ministério da Defesa, praticado ao abrigo de uma delegação de poderes, o qual lhes indeferiu o pedido de revisão de posicionamento na escala remuneratória.

As recorrentes caracterizaram o vício de violação de lei - ordinária e constitucional - do referido despacho, invocando a infracção dos princípios da equidade interna (artigo 14.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho), da progressão da carreira em função da permanência de um determinado período de tempo em certo escalão (artigo 19.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro) e da igualdade de retribuição, vertido na fórmula constitucional "para trabalho igual, salário igual" [artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa].

Na opinião das recorrentes, a norma em que se apoia a decisão administrativa - o artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril -, ao permitir que funcionários com menos antiguidade na categoria aufiram um vencimento superior a outros com mais antiguidade na mesma categoria, viola o princípio da igualdade material da retribuição:

"O artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92 estabeleceu um regime mais benéfico para os funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989 (n.º 1) e para os funcionários promovidos até 30 de Setembro de 1989, desde que a promoção tenha resultado do mesmo concurso a que se candidataram os funcionários abrangidos pelo número precedente (n.º 2).

Ora, estas disposições do artigo 3.º, na medida em que excluem do benefício nele estabelecido os funcionários promovidos até 30 de Setembro de 1989 em concurso no qual não tenha havido funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, violam claramente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º na sua vertente de a trabalho igual salário igual, do artigo 59.º, n.º 1, ambos da Constituição da República.

Não pode sofrer dúvida de que a situação das recorrentes e dos funcionários promovidos em 8 de Janeiro de 1992 são substancialmente idênticas e se havia fundamento para existir tratamento mais favorável seria para as recorrentes por terem a categoria há mais tempo.

Há, portanto, flagrante violação do princípio da igualdade pelo artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, na parte em que exclui as recorrentes do benefício nele estabelecido."

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, invocando jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, concedeu provimento ao recurso:

"O despacho recorrido não podia ter aplicado o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do citado Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, nos termos em que o fez, já que o segmento dessa norma que restringe o benefício remuneratório aos funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, e na medida em que implique que funcionários mais antigos da mesma categoria passem a auferir uma remuneração inferior à daqueles, viola o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP.

Em suma, aquela concreta disposição legal não pode ser aplicada com prejuízo para a remuneração das recorrentes em relação à remuneração atribuída aos seus colegas promovidos a segundos-oficiais posteriormente, em Janeiro de 1992."

2 - Recorreu a autoridade administrativa para o Supremo Tribunal Administrativo, afirmando ter aplicado bem a lei, sobretudo por não ter havido até à data qualquer pronúncia de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional relativamente à norma em apreço - artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril.

O Supremo Tribunal Administrativo veio a confirmar a sentença recorrida, ponderando que:

"Não vindo impugnada nos seus fundamentos a sentença recorrida que constitui o objecto do recurso jurisdicional, improcede este necessariamente, sendo certo que embora não devesse a Administração e, no caso, a autoridade recorrida, apreciar a inconstitucionalidade da norma em apreço e deixar de a aplicar com base em juízo daquela natureza, não é menos certo que não pode, no caso concreto, deixar de cumprir a decisão do tribunal que, apreciando a invocada inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92 [por lapso, a referência do texto é ao Decreto-Lei 60/92], decidiu no sentido de que tal norma viola a Constituição e, consequentemente, anulou o despacho recorrido que a aplicou [...]

Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida que, com base em inconstitucionalidade da norma aplicada, anulou o despacho recorrido."

3 - O Ministério Público interpôs recurso obrigatório deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 280.º, n.os 1, alínea a), e 3, da Constituição da República Portuguesa, e dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.os 1, alínea a), e 3, e 75.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, "em virtude de nele se ter recusado a aplicação do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92 [mais uma vez, por lapso, se escreveu 60/92], de 15 de Abril, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP".

O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional concluiu as suas alegações, afirmando que:

"1.º A norma constante do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, no segmento em que restringe o benefício remuneratório concedido aos funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, e na medida em que esse limite temporal implique que funcionários mais antigos da mesma categoria passem a auferir uma remuneração inferior à daqueles, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consubstanciado no actual artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

2.º Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida."

II - 4 - O objecto do presente recurso de constitucionalidade é a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril.

Dispõe o citado artigo 3.º:

"1 - Os funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989 serão integrados em escalão da nova categoria a que corresponda um índice de valor não inferior a 10 pontos relativamente àquele a que teriam direito pela progressão na categoria anterior, por força do disposto no artigo 2.º

2 - O disposto no número anterior é aplicável aos funcionários promovidos até 30 de Setembro de 1989, desde que a promoção tenha resultado do mesmo concurso a que se candidataram os funcionários abrangidos pelo número anterior."

No acórdão recorrido, que confirmou inteiramente os fundamentos da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a recusa de aplicação da norma tem por base a sua inconstitucionalidade, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da mesma lei fundamental, numa vertente especificamente laboral, vertida na máxima "para trabalho igual, salário igual".

5 - O Tribunal Constitucional já se ocupou da questão da concretização normativa daquele objectivo constitucional. No acórdão 313/89 (inédito), fez-se apelo à vertente material da igualdade, no sentido da sua estreita relação com a realidade social vigente e da sua tradução legislativa efectiva na realização da justiça retributiva:

"Uma justa retribuição do trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no preceito transcrito [o então artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa] visam assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, natureza e qualidade do trabalho; deve garantir uma existência condigna, e a trabalho igual - igual em quantidade, natureza e qualidade - deve corresponder salário igual.

O princípio 'para trabalho igual salário igual' não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito com mais ou menos habilitação e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm, o que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço."

Este entendimento do princípio "para trabalho igual salário igual" fundamentou a decisão do Tribunal Constitucional em acórdãos posteriores (cf. por exemplo, os Acórdãos n.os 386/91, in Diário da República, 2.ª série, n.º 78, de 2 de Abril de 1991, pp. 3112 e segs.; 107/92, in Diário da República, 2.ª série, n.º 161, de 15 de Julho de 1992, pp. 6538 e segs.; e 454/97, in Diário da República, 2.ª série, n.º 284, de 10 de Dezembro de 1997, pp. 15 116 e segs.).

6 - No caso em apreciação, estamos perante uma norma que possibilita que funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989 sejam integrados num índice não inferior a 10 pontos em relação àquele a que teriam direito caso continuassem a progressão normal na carreira, a partir da categoria e escalão onde estavam integrados. Este ajustamento deve-se ao "descongelamento" de carreiras operado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 61/92. O "congelamento" havia sido determinado pelo artigo 38.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, que regulamentou o Decreto-Lei 148/89, de 2 de Junho, o qual, por sua vez, definiu os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública, "circunscrevendo-se nuclearmente à reforma do sistema retributivo, no sentido de lhe devolver coerência e de o dotar de equidade, quer no plano interno, quer no âmbito do mercado de emprego em geral" (preâmbulo do Decreto-Lei l48/89).

Ao permitir a progressão a funcionários promovidos só após 1 de Outubro de 1989, o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, excluiu o benefício do "descongelamento" em relação aos funcionários que detinham uma categoria superior à daqueles em 30 de Setembro de 1989. Ou seja, e através do exemplo real utilizado no processo por Suzete Freite e Maria Romana Covita:

Foram as duas promovidas a terceiros-oficiais em 1974; progrediram para segundos-oficiais em 1988; em 1 de Outubro de 1989, por força do novo sistema retributivo (criado pelo referido Decreto-Lei 184/98), foram reinseridas na categoria de segundo-oficial, escalão 2, índice 210 e só em 1 de Novembro de 1992 alcançaram o escalão 3, índíce 220, da categoria de segundos-oficiais;

Colegas seus, que haviam sido promovidos a terceiros-oficiais em 1977, foram promovidos a segundos-oficiais por despacho de 8 de Janeiro de 1992 e, por aplicação do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92 [conjugado com o artigo 2.º, n.º 2, alínea a) do mesmo diploma], foram posicionados no escalão 5, índice 240, da categoria de segundos-oficiais.

Ou seja, funcionários integrados na mesma categoria de Suzete Freite e Maria Romana Covita, mas com menos antiguidade, estão a auferir vencimento superior ao daquelas.

Esta diferenciação de remunerações não tem qualquer relação com a natureza e com as características do trabalho prestado pelos funcionários em causa nem com as suas capacidades e qualificações profissionais. A desigualdade de retribuição não se funda em qualquer critério objectivo, sendo por isso de considerar arbitrária e discriminatória.

7 - Conclui-se assim que o critério estabelecido pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92, ao restringir o benefício de progressão na carreira aos funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, insere no sistema retributivo um elemento de injustiça e desigualdade, contrariando o princípio da igualdade consagrado no artigo 59.º, n.º 1, aliena a), da Constituição da República Portuguesa.

Assim decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão 180/99 (inédito).

A situação apresenta contornos semelhantes aos que foram discutidos no Acórdão 584/98 (inédito), em que este Tribunal julgou inconstitucional uma norma de que resultava um tratamento mais favorável - em termos remuneratórios - para trabalhadores com menos antiguidade numa certa categoria relativamente a outros trabalhadores com mais antiguidade na mesma categoria.

III - 8 - Nestes termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, no segmento em que restringe o benefício remuneratório concedido aos funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, e na medida em que esse limite temporal implique que funcionários mais antigos da mesma categoria passem a auferir uma remuneração inferior à daqueles, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa;

b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, no que diz respeito à matéria de constitucionalidade.

Lisboa, 29 de Junho de 1999. - Maria Helena Brito - Artur Maurício - Vítor Nunes de Almeida - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1760561.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1989-05-08 - Decreto-Lei 148/89 - Ministério da Administração Interna

    Atribui uma gratificação aos elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP), quando no desempenho de funções de segurança pessoal a altas entidades nacionais ou estrangeiras.

  • Tem documento Em vigor 1989-06-02 - Decreto-Lei 184/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece principios gerais de salários e gestão de pessoal da Função Pública.

  • Tem documento Em vigor 1989-10-16 - Decreto-Lei 353-A/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas.

  • Tem documento Em vigor 1992-04-15 - Decreto-Lei 61/92 - Ministério das Finanças

    Estabelece as regras de reposicionamento dos funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras e dá execução a última fase do descongelamento de escalões prevista no Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 1992-04-15 - Decreto-Lei 60/92 - Ministério da Administração Interna

    DA NOVA REDACÇÃO AO ARTIGO 1 DO DECRETO LEI NUMERO 143/81, DE 3 DE JUNHO, QUE ATRIBUI UM SUBSÍDIO DE DESLOCAÇÃO AOS ELEMENTOS DA PSP, QUE POR IMPOSIÇÃO DE SERVIÇO SEJAM COLOCADOS NAS REGIÕES AUTÓNOMAS.

  • Tem documento Em vigor 1998-07-06 - Decreto-Lei 184/98 - Presidência do Conselho de Ministros

    Aprova a nova orgânica do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo (CEGER), organismo dotado de autonomia administrativa, que funcionará na directa dependência do Primeiro-Ministro ou do membro do Governo em quem aquele delegar.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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