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Acórdão 5/2003, de 17 de Outubro

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Sumário

Para o preenchimento valorativo do conceito de acto análogo à cópula a que se refere o artigo 201.º, n.º 2, do Código Penal de 1982, versão originária, é indeferente que tenha havido ou não emissio seminis (Proc.º 342/97).

Texto do documento

Acórdão 5/2003
Processo 342/97
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 - José Oliveira Marques Pitarma interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a condenação do recorrente como autor material de um crime de violação previsto e punido pelo artigo 201.º, n.os 1 e 2, do Código Penal de 1982 (versão originária) - "Na mesma pena incorre quem, independentemente dos meios empregados, tiver cópula ou acto análogo com menor de 12 anos ou favorecer esses actos com terceiro.»

Fundamentou o recurso na aposição entre aquele acórdão e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1994, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, t. III, pp. 248 e seguintes.

Na verdade - refere o recorrente -, enquanto no acórdão recorrido se perfilhou a doutrina de que "por acto análogo, e conforme se acentua no próprio acórdão recorrido, e tendo em vista as menores de 12 anos e o seu desenvolvimento anatómico, só pode entender-se o contacto físico entre os órgãos genitais masculino e feminino, em ordem a produzir a ejaculação, sobrevenha ou não esta» e de que "haja ou não emissio seminis, em qualquer dos casos foi violado o bem jurídico protegido - a autodeterminação da vítima», já em sentido contrário se pronunciara aquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1994, no qual, nomeadamente, se diz que "quando o arguido esfrega o pénis pela vulva da ofendida, não se tendo apurado se houve ou não emissio seminis [...] não se pode falar em acto análogo à cópula precisamente pela falta de ejaculação».

2 - Foi verificada e decretada a oposição dos acórdãos, salientando-se na respectiva decisão que da "comparação entre os dois acórdãos constata-se que, na verdade, eles se encontram em oposição quanto à necessidade da emissio seminis para preencher o conceito de 'acto análogo' à cópula a que se refere o artigo 201.º, n.º 2, do Código Penal de 1982», pois que, para o acórdão recorrido, esse elemento não é necessário para o preenchimento do conceito, enquanto no Acórdão de 9 de Novembro de 1994 se decidiu em sentido contrário "e, por consequência, no domínio da mesma legislação e relativamente à mesma questão de direito os dois referidos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça assentam com soluções opostas».

3 - Produziu depois o recorrente as suas alegações para concluir pela aplicação da solução dada pelo Acórdão de 9 de Novembro de 1994.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, nas suas alegações, desenvolveu argumentação no sentido do acórdão recorrido, citando várias decisões que vão ao encontro da doutrina de tal acórdão, e, para resolver o conflito, propôs decisão com a seguinte redação:

"Constitui acto análogo para efeitos do artigo 201.º, n.º 2, do Código Penal de 1982 o facto de o agente esfregar o pénis nos órgãos genitais da menor de 12 anos, independentemente de ter havido ou não emissio seminis.»

Cumpre decidir.
4 - No acórdão recorrido produziu-se a seguinte fundamentação:
"Não tem razão o recorrente quando sustenta que não podem os factos ser subsumidos à previsão do artigo 201.º, n.º 2, do Código Penal de 1982, que fala na conduta de quem, independentemente dos meios empregados, tiver cópula ou acto análogo com menor de 12 anos.

Quando o arguido procurou introduzir o pénis na vagina da menor, o que não conseguiu, provocando-lhe dores, de tal modo que ela quis gritar mas ele a impediu de o fazer tapando-lhe a boca, praticou acto análogo à cópula e constitui-se autor material do referido crime.

Com efeito, por acto análogo, e conforme se acentua no próprio acórdão recorrido, e tendo em vista as menores de 12 anos e o seu desenvolvimento anatómico, só pode entender-se o contacto físico entre os órgãos genitais masculino e feminino, em ordem a produzir a ejaculação, sobrevenha ou não esta [...] Haja ou não emissio seminis, em qualquer dos casos é violado o bem jurídico protegido - a autodeterminação sexual da vítima.»

5 - No Acórdão fundamento de 9 de Novembro de 1994 escreveu-se:
"No fundo, tudo quanto há que discutir reconduz-se à questão de saber se, naqueles casos em que o arguido esfregou o pénis pela vulva das menores ofendidas e não se tendo apurado se daí resultou ou não emissio seminis, nem mesmo para o chão, como constava da acusação, se poderá falar em acto análogo ao da cópula, para efeitos do preceituado no artigo 201.º, n.º 2, atrás citado.

Ora, a resposta não pode deixar de ser negativa, uma vez que, por exigência da lei, ter-se-ia que encontrar analogia entre o descrito comportamento e o que é tido indubitavelmente como cópula, e não se pode deixar de concluir como o tribunal a quo.

Com efeito, embora segundo o conceito médico-fisiológico, cópula possa ser tão-apenas a penetração do membro viril na vagina da mulher, enquanto só parcialmente, a verdade é que não se pode deixar de requerer que tenha havido ejaculação. Tal será o mínimo que se pode exigir para que se possa falar em acção parecida, semelhante, com a cópula, que, como se sabe, se traduz na conjugação da vagina da mulher com o pénis masculino, com a ejaculação de esperma deste último órgão, normalmente no interior daquele órgão feminino sem que tal aconteça necessariamente.

No caso presente, não seria de excluir a analogia pelo facto de não ter sido atingido a vagina das menores, não se ultrapassando a vulva, mas já o mesmo não é de aceitar face à ausência de emissio seminis.»

6 - Como decorre do seu texto, os dois acórdãos divergem entre si por causa do requisito da emissio seminis. Patente, porém, está na argumentação do Acórdão de 9 de Novembro de 1994 a ideia de que a cópula com maiores e, por aí, quando possível, com menores de 12 anos, exije, para além da introdução do pénis na vagina, a emissio seminis ou ejaculação, mesmo que fora dos órgãos internos ou externos genitais femininos. Essa imposição não é conforme à doutrina e jurisprudência mais significativas. A cópula é apenas a penetração da vagina pelo pénis, como modo de gerar o perigo da gravidez, sem que, no entanto, tal perigo seja elevado à categoria de elemento do tipo, mas apenas como ratio legis, sendo indiferente que tenha havido ou não emissio seminis, pois que "no momento da ejaculação já está violado o bem jurídico protegido» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 1995, Colectânea de Jurisprudência, Supremo Tribunal de Justiça, ano III, t. I, pp. 178 e seguintes).

Se é assim com o conceito de cópula, no seu sentido médico-legal rigoroso, não há razão alguma para que se exija emissio seminis no caso da chamada cópula vestibular ou vulvar ou no acto análogo a cópula, mormente tendo em atenção, neste último caso, não só o modo inadequado à fecundação como a própria idade da menor.

Em relação às menores de 12 anos, há que ter presente que a autodeterminação sexual recebe relevo específico do perigo abstracto para o seu desenvolvimento global, ficando dispensada a coacção sexual exigida tipicamente para os actos sexuais com maiores, pois está presente a crença de que, até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinadas limiares etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o envolvimento prematuro em actividades sexuais, garantindo aos jovens, e no seu próprio interesse, uma área de tutela até ao amadurecimento da sua personalidade (Costa Andrade, Consentimento e Acordo em Direito Penal, p. 396).

A ejaculação, atendendo agora às menores de 12 anos, para efeitos do preenchimento valorativo do conceito indeterminado de acto análogo à cópula, aparece como elemento que não interessa à área de tutela típica e ao bem jurídico respectivo, que é, como se disse, o livre e são desenvolvimento da sua personalidade, mormente no âmbito do relacionamento sexual.

7 - No Acórdão de 2 de Novembro de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 441, pp. 7 e seguintes, decidiu-se conforme o acórdão recorrido e, da sua argumentação, sobressaem elementos que denunciam com clareza a irrelevância da emissio seminis para preencher o conceito de "acto análogo».

Lê-se nesse acórdão, nomeadamente:
"[...] Esse bem jurídico (liberdade ou autodeterminação sexual da vítima) é particularmente sensível quando a vítima é menor, quer pela sua natural diminuição da capacidade de resistência ao agente, quer pela imatura compreensão ou consciência dos efeitos sociais da violação, quer ainda pelo trauma decorrente da agressão, de consequências sempre imprevisíveis no desenvolvimento da sua personalidade.

A analogia fundamenta-se na proporção e na semelhança entre coisas e, em direito, na coerência do sistema jurídico, que impõe a adopção da mesma solução para casos análogos [...]

Como correctamente se ponderou no acórdão recorrido, as manobras que o arguido levou a cabo com as menores B e C (coito vulvar ou vestibular) são as que mais se assemelham às relações sexuais completas: nada mais aparentado com a natural união heterossexual do que a actuação do arguido [...]

Nem o recorrente, aliás, discute essa semelhança no que respeita à menor B. Admitindo estar provado o referido contacto vulvar, defende que, para se preencherem os elementos típicos da violação, seria ainda precisa a immissio seminis, que não se provou, relativamente à ofendida C. [...]

Em que, pese alguma hesitação de jurisprudência, temos como mais fundamentada a teoria de que no conceito de cópula se não exige a dita immissio seminis, ainda que nos órgãos exteriores da ofendida.

Exigir-se na violação consumada o orgasmo ou ejaculação, como por vezes se lê, é um puro preciosismo, atendendo à essência do bem jurídico protegido, a autodeterminação sexual da vítima. Deste ponto de vista, a norma incriminadora contenta-se com a introdução do pénis na vagina, total ou parcial. A ser de outra maneira, não poderiam ser agentes do crime os incapazes de orgasmo, os que se dedicassem à prática do chamado coitus interruptus e até os que utilizassem preservativos, sem que se descortine uma razão válida de política criminal para sustentar tal distinção [...]

Volvendo à descrição do n.º 2 do artigo 201.º do nosso Código e tendo em conta o tradicional conceito de 'cópula', em sentido médico-legal (introdução total ou parcial do membro viril na vagina da mulher), por 'acto análogo' só pode entender-se qualquer contacto físico entre os mesmos órgãos que, não sendo 'cópula', todavia é idóneo para lesar ou ofender o bem jurídico protegido na norma incriminadora, independentemente da circunstância de ter havido immissio seminis. Com efeito, não sendo esta immissio exigida para a cópula, não se vê que possa sustentar-se que o seja rara o 'acto análogo'. Como vimos, o conceito de 'cópula' está longe de exigir a concepção atávica da ejaculação do parceiro masculino.»

8 - A propósito do acto análogo, Eduardo Correia, autor do anteprojecto do Código Penal, expressou na comissão revisora a necessidade de introdução desse conceito, com a consideração de que "segundo alguns, não é possível a cópula com menor de 12 anos, antes só actos análogos», o que, aliás, serve também para definir a própria cópula, segundo o conceito médico-legal, como introdução do pénis na vagina da mulher, introdução essa que não seria possível acontecer, pelo menos em normalidade, na vagina de menores de 12 anos face à sua configuração anatómica.

Daí que, dessa razão de ser, Carmona da Mota tenha retirado a observação-conclusão de que "o acto análogo à cópula cobriria assim, apenas os casos em que o agente, sendo concretamente impossível - por motivos anatómicos ou semelhantes - a cópula vaginal, mantinha ou intentava manter com a menor a cópula possível, levando a penetração peniana ou intentando levá-la aos limites do fisicamente possível» (cf. Jornadas, Centro de Estudos Judiciais, p. 220), como é o caso do acórdão recorrido.

9 - Decidiram que para preencher o conceito de acto análogo não é necessária a ejaculação, para além de outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 1995, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, t. III, pp. 239 e seguintes, de 11 de Janeiro de 1995, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, t. I, pp. 178 e seguintes, de 17 de Outubro de 1996, processo 568/96, de 23 de Janeiro de 1997, processo 865/96, de 2 de Novembro de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 441, pp. 7 e seguintes.

10 - Em conformidade com o exposto, o pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência, delibera - mantendo a decisão recorrida - fixar jurisprudência nos seguintes termos:

"Para o preenchimento valorativo do conceito de acto análogo à cópula a que se refere o artigo 201.º, n.º 2, do Código Penal de 1982, versão originária, é indiferente que tenha havido ou não emissio seminis.»

Custas pelo recorrente em taxa de justiça de 5 UC.
Lisboa, 24 de Setembro de 2003. - Virgílio António da Fonseca Oliveira (relator) - José António da Rosa Dias Bravo - Luís Flores Ribeiro - David Valente Borges de Pinho - António Silva Henriques Gaspar - António Luís Gil Antunes Grancho - Políbio Rosa da Silva Flor - José Vítor Soreto de Barros - Florindo Pires Salpico - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira - António Correia de Abranches Martins - António Luís Sequeira Oliveira Guimarães - José António Carmona da Mota - António Pereira Madeira - Manuel José Carrilho de Simas Santos - José Vaz dos Santos Carvalho - António Joaquim da Costa Mortágua - António Artur Rodrigues da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/166921.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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