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Acórdão 607/2006, de 19 de Janeiro

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Sumário

Não julga inconstitucional a interpretação dos artigos 45.º, n.º 1, alínea e), e 89.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, de acordo com a qual, em processo penal, a falta de pagamento do preparo para despesas relativo à transcrição da prova produzida oralmente, a efectuar para efeitos do recurso, tem como consequência a não realização da transcrição

Texto do documento

Acórdão 607/2006

Processo 573/06

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - 1 - O juiz do Tribunal Judicial de Braga proferiu, a fl. 22, o seguinte despacho:

"O arguido interpôs recurso da sentença, impugnando a decisão proferida sobre matéria de facto.

Assim sendo, uma vez que incumbe ao Tribunal a transcrição da prova que tenha sido gravada, foi o arguido notificado para proceder ao pagamento do respectivo preparo, no prazo de cinco dias, nos termos do artigo 89.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (fl. 91). Decorrido tal prazo, o arguido não procedeu ao pagamento do preparo devido.

Pelo exposto, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, o recurso subirá sem a transcrição das provas produzidas oralmente.

[...]"

2 - Deste despacho recorreu João Armindo Ferreira Guerreiro para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo na motivação respectiva (fls. 2 e seguintes) concluído do seguinte modo:

"1 - O douto despacho impugnado considerou que a falta de pagamento pelo arguido do preparo para as despesas decorrentes da transcrição da gravação das provas produzidas oralmente em audiência e necessárias para instruir o recurso penal tem como consequência que o acto da transcrição se não pratique.

2 - Em conformidade, ordenou a subida do recurso sem essa transcrição.

3 - Considerou, portanto, o M.mº Juiz a quo que o disposto nos artigos 89.º, n.º 2, e 45.º, n.º 1, alínea e), do CCJ se aplica no âmbito do processo penal e, em concreto, aplicou esses preceitos ao caso vertente.

4 - Tal decisão é inaceitável, porque esses preceitos não se aplicam em processo penal, regulando-se a hipótese em apreço não por eles mas pelo disposto no artigo 147.º, alínea b), última parte.

5 - A decisão ofende, assim, estes preceitos legais e deve, por isso, ser revogada, ordenando-se que se proceda à transcrição à custa do Cofre Geral dos Tribunais, sem prejuízo do oportuno reembolso, se for caso disso.

6 - A interpretação seguida pelo M.mº Juiz a quo do conjunto normativo integrado pelos artigos 45.º, n.º 1, alínea e), e 89.º, n.º 2, do CCJ, de acordo com a qual tais preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo relativo às transcrições a efectuar, para efeitos de recurso em processo penal da prova produzida oralmente e implicam a consequência da não realização das transcrições, é inconstitucional, por ofensa do disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.os 1 e 5, e 202.º, n.º 2, da CRP."

3 - O Ministério Público respondeu (fls. 9 e seguintes), sustentando que o despacho recorrido devia ser revogado.

O despacho foi mantido, por decisão de fls. 12 e seguintes.

O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães emitiu o parecer de fls. 30 e seguinte, no qual se pronunciou no sentido da manutenção do despacho recorrido.

4 - O Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão de 27 de Abril de 2006, negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos (fls. 35 e seguintes):

"[...]

Como se referiu no relatório deste acórdão, está em causa saber se o artigo 45.º, n.º 1, alínea e), do CCJ se aplica, ou não, no âmbito do processo penal.

Na motivação do recurso, refere-se o Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2003, Diário da República, 1.ª série, de 30 de Janeiro 2003.

Porque o relator não sabe dizer mais, nem melhor, do que escreveu o senhor procurador-geral-adjunto no seu parecer, transcrevem-se as partes principais deste:

"O assento referenciado teve em vista a resolução da questão de saber, sempre que o recorrente impugnasse a matéria de facto em conformidade com o disposto no artigo 412.º, n.os 3 e 4, a quem incumbia a transcrição ali referida: ao recorrente ou ao tribunal? E resolveu-a decidindo que incumbe ao tribunal.

Mas o problema debatido no assento não dizia respeito ao pagamento de eventuais encargos com a transcrição.

E uma coisa é a transcrição e outra diferente o encargo originado pela feitura da mesma. Quem tem o ónus de proceder ou mandar proceder à transcrição não tem, necessariamente, de suportar o encargo com a mesma. Pode ser o tribunal a proceder à transcrição e ser outrem (o recorrente, por exemplo) a custear o encargo com a mesma.

Em segundo lugar, o quadro legislativo alterou-se após a prolação do dito assento do STJ.

Na verdade, o Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, alterou profundamente o CCJ e, além do mais, também o CPP.

A redacção do n.º 2 do artigo 101.º do CPP, introduzida por este Decreto-Lei 324/2003 manda que os encargos com a transcrição sejam suportados nos termos fixados no CCJ.

E o artigo 89.º, n.º 2, do CCJ, também com a redacção do mesmo decreto-lei, resolve, expressa e claramente, a questão.

Refere tal dispositivo que:

2 - Nos casos em que haja lugar a transcrição das provas produzidas oralmente, os custos com a mesma são suportados pelo recorrente, mediante o pagamento do respectivo preparo para despesas, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 43.º a 46.º

Não havia dispositivo semelhante no CCJ na versão anterior (do Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro).

Embora os artigos 43.º a 46.º se insiram na parte cível, o artigo 89.º, n.º 2 (sito no domínio das custas criminais), manda aplicar, expressamente, o seu regime ao domínio criminal. E manda aplicar tal regime, naturalmente, com as devidas adaptações. Não pode haver uma transposição pura e simples daquele regime dos artigos 43.º a 46.º, dado que ali se prevêem, por exemplo, regras específicas de outros processos.

Resulta, assim, com clareza, do regime legal, que o encargo é suportado pelo recorrente."

Só mais duas notas:

Diz o recorrente que "os interesses públicos em jogo no processo penal não se compadecem com a solução adoptada pelo despacho em mérito, que faz depender a análise e a viabilidade do recurso - no fundo a administração da justiça - do pagamento de um acto cuja prática incumbe sempre ao tribunal [...]".

Transcrevendo o Acórdão da RL de 18 de Janeiro de 2006, processo 11 046/2005, citado pelo senhor procurador-geral-adjunto, "o aludido normativo é perfeitamente compatível com a índole e a natureza do processo penal, não podendo ser visto como uma limitação desproporcionada ou intolerável do direito ao recurso e, consequentemente, também do próprio direito de defesa, porquanto os encargos com a transcrição da prova documentada constituem 'custas-crime' (artigo 89.º, n.º 1, do CCJ) e, em caso de insuficiência económica, o respectivo sujeito processual poderá socorrer-se do instituto do apoio judiciário". Aliás, não há aqui qualquer especificidade do processo penal, relativamente a outros ramos do direito processual, nomeadamente o processo civil. Ambos são ramos do direito público e tratam do interesse público da administração da justiça.

Alega o recorrente que a orientação seguida ofende o disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.os 1 e 5, e 202.º, n.º 2, da CRP.

Mas nada argumenta no sentido de demonstrar a violação de cada uma das invocadas cinco normas da CRP. É que, alegar não é só afirmar que se discorda da decisão recorrida, mas sim atacá-la, especificando não só os pontos em que se discorda dela, mas também as razões concretas de tal discordância. Como referem Simas Santos e Leal Henriques em Recursos em Processo Penal, p. 47, "Os recursos concebidos como remédios jurídicos [...] não visam unicamente a obtenção de uma melhor justiça, tendo o recorrente que indicar expressa e precisamente, na motivação, os vícios da decisão recorrida, que se traduzirão em error in procedendo ou in judicando".

[...]"

5 - Deste acórdão recorreu João Armindo Ferreira Guerreiro para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, "para apreciação da inconstitucionalidade do conjunto normativo integrado pelos artigos 45.º, n.º 1, alínea e), e 89.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na interpretação, adoptada pela decisão recorrida, de acordo com a qual tais preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo relativo às transcrições a efectuar para efeitos de recurso em processo penal da prova produzida oralmente e implicam a consequência da não realização das transcrições, por ofensa do disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.os 1 e 5, e 202.º, n.º 2, da CRP (fl. 42)".

O recurso foi admitido por despacho de fl. 43.

6 - Nas alegações (fls. 56 e seguintes), o recorrente sustentou, para o que agora releva, o seguinte:

"[...]

O douto acórdão impugnado considerou, em suma, que:

[...]

O encargo com essa transcrição [da prova produzida oralmente em audiência] tem de ser suportado pelo arguido, sendo ele o recorrente;

A falta de pagamento do respectivo preparo para despesas implica que não se proceda à transcrição.

[...]

Quanto a esta [questão de saber quem é responsável pelos encargos da transcrição], não há dúvida de que a decisão imputa essa responsabilidade ao recorrente, afastando-se da solução incorporada no mencionado acórdão do STJ.

Ou seja: por remissão do artigo 89.º, n.º 2, do CCJ, aplicou ao processo penal a norma do n.º 1 do artigo 44.º do mesmo diploma, segundo a qual "os preparos para despesa são efectuados por quem requereu expressa ou implicitamente a diligência".

Quanto à terceira questão, das consequências da falta de pagamento do preparo, o douto acórdão aplicou a norma do artigo 45.º, n.º 1, alínea e), do CCJ para onde remete aquele artigo 89.º, n.º 2, e de acordo com a qual "[...] a falta de pagamento do preparo para despesas implica [...] a não transcrição das provas produzidas oralmente".

Ora, são estas duas componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de constitucionalidade submetida à apreciação deste colendo Tribunal.

O recorrente sustenta que a responsabilização do arguido pelos encargos da transcrição das provas necessárias à instrução do recurso penal ofende a garantia do direito ao recurso estabelecida no n.º 1 do artigo 32.º, a estrutura acusatória do processo penal (na dimensão da respectiva oficiosidade), consignada no n.º 5 do artigo 32.º, o acesso ao direito e aos tribunais salvaguardado pelo artigo 20.º, n.º 1, e a obrigação imposta aos tribunais de assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos decorrente do n.º 2 do artigo 202.º, todos da CRP.

Citando o Acórdão do STJ n.º 2/2003 para fixação de jurisprudência, "o processo penal visa a satisfação de um interesse público traduzido na protecção dos bens jurídicos fundamentais da comunidade, estando reservadas ao estado a promoção e a condução do procedimento que a cada caso couber.

Assim, o processo penal rege-se, entre outros princípios básicos, pelo princípio da oficialidade, segundo o qual constitui tarefa do Estado a investigação e a submissão a julgamento do arguido, pela prática de infracção penal, e da investigação que, como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. 1, Editorial Verbo, p. 73, 'traduz o poder-dever que ao Tribunal incumbe de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições da acusação e da defesa, o facto sujeito a julgamento, criando aquele mesmo as bases necessárias à sua decisão'.

[...]

É difícil conceber que fosse deixada à mercê do próprio interessado uma tarefa de tanto significado e melindre como seja a de fornecer ao tribunal o material probatório que iria servir de base ao julgamento do feito, ainda que em sede de recurso".

Estas considerações continuam válidas e actuais, quaisquer que tenham sido as alterações introduzidas no Código das Custas Judiciais, porque entroncam em razões constitucionais muito profundas, atinentes à natureza do processo penal e da administração da justiça e às garantias do arguido.

Dizendo de outro modo: as normas agora em referência, porque, ao fazerem impender sobre o arguido o ónus de custear, para efeitos de recurso, a transcrição da gravação da prova produzida oralmente em julgamento, dissociam o Estado do poder/dever de assegurar os meios necessários à realização da justiça penal, dificultam, sem justificação, o acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais e limitam, também sem justificação, as garantias de defesa na vertente do direito ao recurso.

Por isso, considera e defende a recorrente que os artigos 45.º, n.º 1, alínea e), e 89.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na interpretação, adoptada pela decisão recorrida, de acordo com a qual tais preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo relativo às transcrições a efectuar para efeitos de recurso em processo penal da prova produzida oralmente, ofendem o disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.os 1 e 5, e 202.º, n.º 2, da CRP e são inconstitucionais.

Ainda, porém, que assim não fosse, não deixariam tais normas de ser inconstitucionais por outro motivo, que nos situa no âmago da terceira questão acima enunciada.

A consequência da falta de pagamento do preparo para despesas de transcrição não poderá jamais ser, em processo penal, a de o acto não ser praticado, ou seja, na prática, a da rejeição ou total inviabilidade do recurso, pelas mesmíssimas razões que já ficaram enunciadas no ponto anterior, agora reforçadas pelo carácter excessivo e desproporcional dessa sanção.

Quando muito - embora com relutância e sem conceder - poderia admitir-se que a falta de pagamento do preparo - se fosse devido e compatível com a referenciada natureza do processo penal determinava a sua cobrança coerciva, no competente processo executivo.

Mais do que isso representa uma limitação ou mesmo obstrução desproporcional e inadmissível de todos aqueles princípios e normas constitucionais.

Conclusão:

O conjunto normativo integrado pelos artigos 45.º, n.º 1, alínea e), e 89.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na interpretação, adoptada pela decisão recorrida, de acordo com a qual tais preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo relativo às transcrições a efectuar para efeitos de recurso em processo penal da prova produzida oralmente e implicam a consequência da não realização das transcrições, é inconstitucional por ofensa do disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.os 1 e 5, e 202.º, n.º 2, da CRP."

7 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional contra-alegou (fls. 60 e seguintes), sustentando, entre o mais, o seguinte:

"[...]

1 - O Tribunal Constitucional tem diversas pronúncias sobre "os ónus processuais" que impendem sobre as partes. O Acórdão 405/2004 faz, aliás, uma resenha da jurisprudência a esse propósito, remetendo para diversos acórdãos que se pronunciam sobre a matéria: Acórdãos n.os 428/2003, 260/2002, 299/93, 337/2000, 417/99, 529/2003 e 322/2004.

2 - Com pleno interesse para o caso ora em apreço é, porém, o explanado e decidido pelo Acórdão 405/2004 (e, também, pelo Acórdão 677/99, para o qual aquele remete) e que aqui transcrevemos por manifesta adequação:

[...]

3 - Ora, ao invés do acontecido na situação objecto de apreciação por este Tribunal, que se pronunciou por um juízo de inconstitucionalidades [n]o Acórdão 405/2004, na presente situação sub judice, em primeiro lugar, ao arguido foi dada a oportunidade [...] de assegurar a plena efectividade do seu direito de recurso, porquanto foi devidamente notificado para fazer os preparos, e, em segundo lugar, o arguido não estava inibido de poder socorrer-se do apoio judiciário para assegurar a plena efectividade do direito.

4 - O disposto nos artigos 89.º, n.º 2, e 45.º do Código das Custas Judiciais, não representava ónus ou formalidades excessivas ou desproporcionadas que ponham em causa a essência daquele direito (vide conclusões das alegações do Ministério Público, transcritas no Acórdão 405/2003), por não se verificar "limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido".

5 - Tal como as instâncias já decidiram, atendendo à data de entrada em vigor, a 1 de Janeiro de 2004, do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, a jurisprudência do assento 2/03, será "inaplicável" em face de lei nova que regula expressamente a matéria.

6 - Ora, o "novo" n.º 2 do artigo 89.º (vide também o n.º 1 do mesmo preceito) é bem claro quanto ao "ónus" que impende sobre o arguido e das "consequências" do não cumprimento de tal "ónus" [artigo 45.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais].

7 - Assim, e dado, por um lado, que o arguido teve oportunidade - por força da notificação efectuada - de cumprir com aquele ónus, e dado, por outro lado, que este ónus não é injusto, desproporcionado ou excessivo na justa medida em que o arguido sempre teria ao seu alcance o mecanismo de apoio judiciário admissível, quanto a nós, em face do disposto no n.º 1 e no n.º 2, 2.ª parte (encargo excepcional), do artigo 18.º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei 34/2004, de 29 de Julho), não se vê que tal conjunto de normas possa ofender os artigos 20.º (acesso aos tribunais), 32.º (garantias de defesa) e 202.º (função jurisdicional).

III - Conclusão:

Nesta conformidade e face ao exposto, conclui-se:

1 - As normas dos artigos 45.º, n.º 1, alínea e), e 89.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, interpretadas no sentido de terem como consequência a não realização da transcrição das provas produzidas oralmente em processo penal, em caso de recurso interposto pelo arguido que não efectuou para tanto o respectivo preparo para despesas, sendo para tal notificado e não estando impedido de solicitar o correspondente apoio judiciário não são inconstitucionais.

2 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso."

Cumpre apreciar e decidir.

II - 8 - No requerimento de interposição do presente recurso (supra, n.º 5), submeteu o recorrente à consideração do Tribunal Constitucional uma determinada interpretação do conjunto normativo integrado pelos artigos 45.º, n.º 1, alínea e), e 89.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais.

Nas alegações (supra, n.º 6), porém, parece pretender também a apreciação do conjunto normativo integrado pelos artigos 89.º, n.º 2, e 44.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, pois que reporta tal conjunto normativo a uma das "componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de constitucionalidade submetida à apreciação" deste Tribunal.

Ora, como é evidente, o objecto do recurso de constitucionalidade ficou definido no respectivo requerimento de interposição, pelo que não é possível conhecer do conjunto normativo integrado pelos artigos 89.º, n.º 2, e 44.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais.

O mesmo é dizer que não é possível conhecer da questão da conformidade constitucional da interpretação segundo a qual "o encargo com essa transcrição [da prova produzida oralmente em audiência] tem de ser suportado pelo arguido, sendo ele o recorrente", que o recorrente qualifica como uma das "componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de constitucionalidade submetida à apreciação" deste Tribunal - deste modo pretendendo a sua apreciação, ao menos implícita, pelo Tribunal Constitucional -, mas que traduz, de facto, uma autónoma questão de constitucionalidade normativa, que não é susceptível de se confundir com aquela que se encontra referida no requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade.

Também por outro motivo não é possível conhecer dessa questão de constitucionalidade. É que, no recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães (supra, n.º 2), o recorrente perspectivou a questão de constitucionalidade apenas no plano das consequências da falta de pagamento, pelo arguido, do preparo para as despesas decorrentes da transcrição da gravação das provas, não no plano da responsabilidade pelo pagamento dessas despesas. Ora, pressupondo o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional - aquele que agora foi interposto pelo recorrente - a invocação, durante o processo, da questão de constitucionalidade a apreciar pelo Tribunal Constitucional, não seria possível, quanto à interpretação segundo a qual "o encargo com essa transcrição [da prova produzida oralmente em audiência] tem de ser suportado pelo arguido, sendo ele o recorrente", ter como preenchido um dos pressupostos do presente recurso.

A única questão de constitucionalidade de que cumpre agora conhecer é, assim, aquela que se reporta ao conjunto normativo integrado pelos artigos 45.º, n.º 1, alínea e), e 89.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais - pois que só este foi identificado no requerimento de interposição do presente recurso - e que diz respeito unicamente à outra das "componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de constitucionalidade submetida à apreciação" deste Tribunal: mais concretamente, à componente dessa decisão que se prende com as consequências da falta de pagamento do preparo para despesas (entre as quais se encontra a não transcrição das provas produzidas oralmente).

Em suma, o objecto do presente recurso prende-se apenas com a terceira questão a que alude o recorrente nas alegações - a de que "a falta de pagamento do respectivo preparo para despesas implica que não se proceda à transcrição" -, e que pode ser definida do seguinte modo: a de saber se é inconstitucional, à luz do disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.os 1 e 5, e 202.º, n.º 2, da Constituição, a interpretação dos artigos 45.º, n.º 1, alínea e), e 89.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, de acordo com a qual, em processo penal, a falta de pagamento do preparo para despesas relativo à transcrição da prova produzida oralmente, a efectuar para efeitos de recurso, tem como consequência a não realização da transcrição.

9 - O artigo 45.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção emergente do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro - aquela que foi tida em conta na decisão recorrida (supra, n.º 4) -, dispõe o seguinte:

"Artigo 45.º

Consequências da falta do preparo para despesas

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes e no artigo 46.º, a falta de pagamento do preparo para despesas implica, conforme os casos:

...

e) A não transcrição das provas produzidas oralmente.

..."

Por sua vez, determina o artigo 89.º, n.º 2, do mesmo Código:

"Artigo 89.º

Encargos

...

2 - Nos casos em que haja lugar à transcrição das provas produzidas oralmente, os custos com a mesma são suportados pelo recorrente, mediante o pagamento do respectivo preparo para despesas, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 43.º a 46.º

..."

Vejamos se é inconstitucional a interpretação destes dois preceitos que constitui o objecto do recurso e que, repete-se, se prende com a não transcrição das provas produzidas oralmente, enquanto consequência da falta de pagamento do preparo para as despesas decorrentes dessa mesma transcrição.

10 - Sendo esta a questão a resolver, a dúvida que em primeiro lugar importa esclarecer é a seguinte: será excessiva ou desproporcionada e, como tal, violadora do direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição - a consequência prevista na lei para a falta de pagamento do preparo para as despesas decorrentes da transcrição, que é justamente a da não realização dessa transcrição?

O recorrente entende que sim, atendendo a que a lei podia, ao menos, determinar uma sanção mais branda, como seja a cobrança coerciva, no competente processo executivo, da dívida respeitante ao preparo para despesas de transcrição (supra, n.º 6).

Já o Ministério Público, nas contra-alegações (supra, n.º 7), responde negativamente, não só porque ao recorrente/arguido foi dada a oportunidade de cumprir o ónus de pagamento desse preparo (pois que, para tal, foi notificado), como também porque o arguido sempre teria ao seu alcance o mecanismo do apoio judiciário, nos termos do disposto no n.º 1 e no n.º 2, 2.ª parte, do artigo 18.º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei 34/2004, de 29 de Julho).

O artigo 18.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios, dispõe o seguinte:

"Artigo 18.º

Oportunidade do pedido de apoio judiciário

1 - O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária.

2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente ou se, em virtude do decurso do processo, ocorrer um encargo excepcional, suspendendo-se, nestes casos, o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 24.º

..."

A razão está com o Ministério Público.

Na verdade, para determinar se um determinado ónus é pesado ou excessivo, não é suficiente verificar se a lei podia, em abstracto, estabelecer uma sanção mais leve para o respectivo incumprimento (como seria o caso, na óptica do recorrente, da cobrança coerciva em processo executivo). É que o estabelecimento de uma sanção mais leve pode, na prática, constituir um fraco estímulo para o cumprimento do próprio ónus e, portanto, inviabilizar a realização do objectivo pretendido pela lei com a consagração do ónus: no caso, a realização das transcrições a expensas, não do Estado, mas do recorrente.

O que importa, diversamente, apurar é se o onerado pode cumprir o ónus sem que tal lhe seja particularmente penoso e se, não o tendo cumprido, é ponderado o motivo do incumprimento para efeitos de estabelecimento da sanção.

Ora, o que se verifica é que o cumprimento do ónus de pagamento do preparo para as despesas decorrentes da transcrição não se revestiu de especiais dificuldades para o recorrente/arguido nem a sanção estabelecida se alheou do motivo do incumprimento.

Em primeiro lugar porque, como salienta o Ministério Público, o arguido foi alertado para a necessidade de cumprimento desse ónus (cf. também o despacho de fl. 22, supra, n.º 1): assim, se o arguido não cumpriu, não foi por tal lhe ser especialmente difícil, nomeadamente por desconhecer a imposição.

Em segundo lugar, porque o arguido sempre teria ao seu alcance o mecanismo do apoio judiciário - como, aliás, se assinala na decisão recorrida (supra, n.º 4), no trecho em que transcreve parte de um acórdão da Relação de Lisboa: "[...] em caso de insuficiência económica, o respectivo sujeito processual poderá socorrer-se do instituto do apoio judiciário" -, pelo que o cumprimento do ónus não foi dificultado por razões de natureza económica.

Em terceiro lugar, porque tendo o arguido sido alertado para o efeito (cf. notificação de fl. 21), seria redundante um novo despacho alertando-o para a necessidade de pagamento do preparo e consequências do não pagamento: não pode, pois, dizer-se que a sanção (ou melhor, a desvantagem) não ponderou o motivo do não cumprimento do ónus.

Este aspecto, aliás, claramente diferencia o caso sub judice do caso analisado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 405/2004, de 2 de Junho, citado pelo Ministério Público nas contra-alegações no qual se julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de transcrição, pelo arguido recorrente, das gravações constantes dos suportes técnicos a que se referem as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do mesmo artigo tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao mesmo seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência -, desde logo porque, aqui, nenhum acto do juiz ou da secretaria tinha sido anteriormente praticado, alertando o arguido para a necessidade de cumprimento do ónus.

Não sendo excessiva nem desproporcionada a consequência prevista na lei para a falta de pagamento do preparo para as despesas decorrentes da transcrição - que é a da não realização dessa transcrição -, cumpre concluir que a interpretação normativa ora em apreciação não viola o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, sendo certo que os outros preceitos constitucionais invocados pelo recorrente ou são inaplicáveis ao caso, ou nada acrescentam ao disposto naquele preceito, quanto à resolução da questão de constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso.

III - 11 - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 14 de Novembro de 2006. - Maria Helena Brito - Rui Manuel Moura Ramos - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1539054.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1996-11-26 - Decreto-Lei 224-A/96 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código das Custas Judiciais, publicado em anexo, e que faz parte integrante do presente diploma.

  • Tem documento Em vigor 2003-10-15 - Acórdão 405/2003 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 16.º, alínea b), 85.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 564/99, de 21 de Dezembro, e do mapa III constante do anexo II ao mesmo diploma, na medida em que permitem na carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria.

  • Tem documento Em vigor 2003-12-27 - Decreto-Lei 324/2003 - Ministério da Justiça

    Altera o Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, (republicado no anexo II), o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, bem como o Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro (Regulamento das Custas dos Processos Tributários e tabela dos emolumentos da DGCI), o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (Regime dos procedimentos dest (...)

  • Tem documento Em vigor 2004-07-29 - Lei 34/2004 - Assembleia da República

    Estabelece um novo regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

Aviso

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