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Acórdão 172/2006/T, de 4 de Maio

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Texto do documento

Acórdão 172/2006/T. Const. - Processo 813/2005. - Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - No presente processo, em que é recorrente António Alberto Ferreira Silva Lopes e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu a seguinte decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC):

"1 - O ora recorrente denunciou, para efeito de procedimento criminal, irregularidades cometidas no decurso do apuramento dos resultados das eleições autárquicas realizadas em 16 de Dezembro de 2001 que, em seu entender, visaram favorecer uma das candidaturas concorrentes.

O inquérito foi arquivado por despacho de 21 de Junho de 2004 do magistrado do Ministério Público (DIAP de Lisboa).

Notificado deste despacho, nos termos do n.º 2 do artigo 277.º do Código de Processo Penal, o recorrente requereu "a sua constituição como assistente nos termos do artigo 166.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto" e requereu a abertura da instrução por factos que considerou preencherem o ilícito típico dos "artigo 179.º, alínea c), artigo 191.º e artigo 199.º, todos da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto".

Por despacho do juiz de instrução criminal (TIC de Lisboa) de 27 de Novembro de 2004, foi decidido não admitir o requerente a intervir como assistente e, consequentemente, indeferir o requerimento para abertura da instrução.

Tendo o requerente interposto recurso desta decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 19 de Maio de 2005, negou provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:

"Em causa, no presente recurso, está a questão da legitimidade de um cidadão eleitor para se constituir assistente em processo criminal relativo à prática de crime eleitoral.

Nos termos do artigo 68.º do Código de Processo Penal podem constituir-se assistentes em processo penal, além das pessoas a quem leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos [alínea a)], e ainda qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção [alínea e)] - e o legislador não incluiu os crimes eleitorais nos chamados de acção popular, como bem refere a magistrada do Ministério Público recorrida.

Assim, tomando como ofendidos apenas os titulares dos interesses que a lei quis proteger, consagrou-se, ou melhor, manteve-se consagrado o conceito estrito de ofendido que a doutrina e a jurisprudência formularam, sem divergências de maior, no domínio do CPP de 1929 (cf., v. g. na doutrina Beleza dos Santos, 'Partes particularmente ofendidas em processo criminal', RLJ, ano 57, Figueiredo Dias, 'Direito processual penal', 1.º vol., pp. 505-506 e pp. 512-513; Cavaleiro de Ferreira, 'Curso de processo penal', I, p. 129; com significado, na jurisprudência, o Acórdão do STJ de 5 de Janeiro de 1966, Boletim do Ministério da Justiça, 153-133).

Neste conceito de ofendido não cabem, por isso, o titular de interesses mediata ou indirectamente protegidos, o titular de uma ofensa indirecta ou o titular de interesses morais - 'Não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com o crime: ofendido é somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime' (cf. Germano Marques da Silva, in 'Curso de processo penal', vol. 1, edição de 1996, p. 244).

Podem estes ser lesados e nessa qualidade sujeitos processuais como partes civis, mas não constituir-se assistentes.

A aplicação deste conceito leva, portanto, a que se determine qual o interesse jurídico-penal que em certa situação concreta haja sido violado, qual o bem jurídico que certa norma protege.

Um particular não é, pois, titular do interesse que a lei especialmente quis proteger ainda que possa eventualmente ser lesado e, nessa medida, sujeito processual como se referiu supra.

É essa precisamente a situação do recorrente.

O bem ou interesse jurídico objecto de tutela penal, neste tipo de ilícito, é a verdade dos resultados eleitorais. Tal interesse é meramente mediato, consoante decorre da lei, sendo directo o interesse dos concorrentes, que assim são os potenciais ofendidos.

Vem, porém, invocar o artigo 166.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto.

Porém, dispõe o artigo 166.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, que 'qualquer partido político, coligação ou grupo de cidadãos concorrentes pode constituir-se assistente nos processos penais relativos ao acto eleitoral'.

A previsão desta norma não inclui, pois, o cidadão eleitor.

E se esta norma especial não o inclui, ele é igualmente excluído da previsão do artigo 68.º do CPP."

2 - O recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, tendo esclarecido, a convite a dar cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 75.º da LCT, que "o recurso foi interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional; a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é a do artigo 166.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, por contrário ao disposto no artigo 13.º da CRP; e a mesma foi suscitada na fundamentação de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, remetida ao TIC de Lisboa em 5 de Janeiro de 2005".

Esclareceu, depois, um pouco melhor, que:

"[...] Uma interpretação literal do artigo 166.º torna o preceito inconstitucional por contrário ao artigo 13.º da CRP.

[...] Com efeito, qualquer cidadão eleitor não é alheio ao resultado lícito ou ilícito de uma eleição.

E a exclusão da legitimidade assistencial em processo-crime de simples cidadão eleitor descrimina-o, naturalmente, perante os candidatos ou os funcionários partidários, neste preciso enquadramento."

3 - A questão de constitucionalidade é manifestamente infundada, justificando-se que se ponha imediatamente termo ao recurso, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

O recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 166.º da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, na interpretação de que o cidadão eleitor não tem legitimidade para se constituir assistente nos processos penais relativos ao acto eleitoral, que entende infringir o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.

Este preceito dispõe o seguinte:

"Artigo 166.º

Direito de constituição como assistente

Qualquer partido político, coligação ou grupo de cidadãos concorrentes pode constituir-se assistente nos processos penais relativos ao acto eleitoral."

Para o recorrente, na medida em que não reconhece ao 'simples cidadão eleitor' legitimidade para intervir como assistente em processos penais relativos ao acto eleitoral, esta norma viola o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, na medida em que o descrimina "perante os candidatos ou os funcionários partidários".

Importa começar por salientar que nos ilícitos criminais compreendidos em toda a extensão da norma de atribuição de legitimidade do citado artigo 166.º há crimes respeitantes à organização do processo eleitoral, crimes relativos à votação ou ao processo de votação e crimes relativos ao apuramento eleitoral (cf. artigos 168.º a 202.º da LEOAL). Sendo a questão de constitucionalidade apreciada num recurso de fiscalização concreta, a dimensão da norma que importa considerar é a que respeita à legitimidade para os crimes respeitantes ao apuramento do resultado eleitoral, uma vez que são desta natureza ou incidem sobre esta fase do processo eleitoral, os crimes denunciados e investigados no processo de que emerge a presente questão incidental de inconstitucionalidade.

4 - Ora, assim delimitado o objecto do recurso, é manifesto que a norma em crise não viola o princípio da igualdade.

Como é sabido, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, este princípio não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções; proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. Dizendo-o sem desenvolvimentos que o caso não justifica, enquanto princípio vinculativo da lei, o princípio da igualdade traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (é abundantíssima a jurisprudência do Tribunal sobre este princípio e neste sentido; cf., por todos, Acórdão 232/2003, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 17 de Junho de 2003).

Sucede que nada tem de arbitrário ou contrário às valorações constitucionais em matéria de sufrágio eleitoral, estando em causa ilícitos criminais que não incidem sobre o exercício do direito de voto por um cidadão individualizado (direito de sufrágio activo), mas sobre o apuramento (o procedimento ou o resultado do apuramento) dos resultados eleitorais, que a legitimidade para a constituição como assistente seja reconhecida aos partidos políticos, coligações ou grupos de cidadãos concorrentes à eleição em causa e já não aos cidadãos eleitores, nesta qualidade. O ilícito respeita ao direito de sufrágio passivo e a regra de legitimidade para intervir como assistente, e nessa qualidade perseguir quem alegadamente atenta contra a fiabilidade e a genuinidade do processo de apuramento do resultado da eleição coincide com os mesmos entes a quem a lei eleitoral, em consonância com os artigos 51.º e 239.º, n.º 4, da Constituição, reserva o direito de apresentar listas para a eleição dos órgãos em causa (cf. artigo 16.º da LEOAL).

Optando por atribuir a legitimidade para a constituição como assistente relativamente aos ilícitos em causa apenas a estes entes titulares do direito de apresentação de candidaturas e não a qualquer cidadão eleitor, num domínio que está na sua discricionariedade, visto que não há disposição constitucional que obrigue a estender a todos os cidadãos a faculdade de constituição como assistente em processo penal por crimes eleitorais, o legislador estabeleceu um tratamento que não é arbitrário porque se compreende numa apreciação razoável das ideias dominantes da Lei Fundamental.

Não pode, pois, considerar-se violado o artigo 13.º da Constituição.

5 - Decisão.

Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, sendo manifestamente infundada a questão de constitucionalidade, julgo o recurso improcedente e condeno o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 7 UC."

2 - O recorrente reclama desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do referido artigo 78.º-A, nos termos seguintes:

"1 - Não se trata de uma mera insistência, porque a relevância da questão proposta ao julgamento do Tribunal Constitucional é de tal modo evidente que ninguém, nem um simples processo de intenções, criticará a iniciativa.

2 - Na verdade, perante suspeita fundada de fraude eleitoral, que colocou na presidência da Câmara de Lisboa e, por assim dizer, no caminho de Primeiro-Ministro um candidato que, efectivamente, perdeu no escrutínio, arquivado o inquérito pelo Ministério Público, por razão de não ter podido identificar o autor do crime, o recorrente, quem descobriu o modelo de malversão dos votos, propôs-se requerer a Instrução.

3 - Foi-lhe negada a faculdade, por não poder ser assistente, com base no artigo 68.º do CPP e no artigo 166.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto: só cabe a qualidade aos candidatos, partidos e ajuntamentos eleitorais.

4 - Justamente, foi a norma com este sentido que foi questionada na sua constitucionalidade por este recurso: discriminação do eleitor individual, mais interessado ainda no resultado que os candidatos ou os promotores da candidatura.

5 - Respondeu o ilustre Sr. Conselheiro Relator: "Não! O legislador estabeleceu um tratamento que não é arbitrário porque se compreende numa apreciação razoável das ideias dominantes da lei fundamental."

6 - Estamos convencidos do contrário, de que a Constituição é uma Constituição verdadeiramente democrática em que a soberania reside no povo.

7 - Quando elege, tem interesse em quem elege e como elege.

8 - Esta é a base da democraticidade da representação que, naturalmente, merece tutela criminal, e, do mesmo modo, a interveniência singular de cada cidadão, por ser simples cidadão eleitor, no processo penal, como assistente.

9 - Contudo, a interpretação que os Tribunais deram à norma não respeita este vínculo.

10 - No entanto, parece que o sistema pode muito bem ter outro entendimento: completa a norma geral, esclarece que, para além de qualquer cidadão com a legitimidade originária de ser cidadão eleitor, podem também ser assistentes os partidos, as coligações, enfim, os promotores do voto.

11 - Sem conceder, diga o Tribunal Constitucional, pelo menos, se estamos perante um erro de direito."

O Ministério Público respondeu que a reclamação é manifestamente improcedente, em nada sendo abalados, pela argumentação do reclamante, os fundamentos da decisão reclamada.

3 - A reclamação é manifestamente infundada, nada tendo o recorrente trazido à consideração do Tribunal que possa levar a rever a decisão reclamada.

Importa começar por destacar dois aspectos essenciais que o reclamante parece não ter tomado em consideração:

O primeiro é o de que não compete ao Tribunal Constitucional, nos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade, censurar a interpretação e aplicação do direito ordinário pelos tribunais da causa. Assim, é matéria estranha ao recurso de constitucionalidade saber como se articulam o artigo 68.º do Código de Processo Penal e o artigo 166.º da LEOAL, no domínio da legitimidade para intervir como assistente nos crimes eleitorais.

O segundo é o de que no presente processo só está em causa a apreciação de constitucionalidade da norma do artigo 166.º da LEOAL e não também a do artigo 68.º do Código de Processo Penal ao abrigo da qual a decisão recorrida igualmente perspectivou a pretensão do recorrente. No requerimento de interposição de recurso, o recorrente não pôs em causa a constitucionalidade do entendimento da decisão recorrida quanto a essa norma, não podendo agora convolar ou ampliar o objecto do recurso.

Dito isto, não se põe em dúvida que o sufrágio seja o instrumento fundamental da realização do princípio democrático ou a relevância do procedimento eleitoral justo para garantia da autenticidade do sufrágio (artigo 113.º da CRP) nem que a efectividade dessa garantia reclame a organização de meios de controlo, dissuasão e repressão das condutas que sejam susceptíveis de lesar a justiça desse procedimento e dos seus resultados, em último termo pela via judicial (cf. n.º 7 do artigo 113.º da Constituição). Mas o que o recorrente não demonstra, nem se vislumbra norma ou princípio constitucional onde tal pretensão se ampare, é que desta indiscutível verdade decorra a imposição ao legislador da consagração de uma legitimidade universal para a perseguição penal daquelas condutas lesivas do procedimento eleitoral justo que tipifique como crimes. Na ausência de regra ou princípio constitucional vinculante [cf., por exemplo, a alínea a) do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição, sem que interesse saber se a "promoção da perseguição judicial das infracções" tem esse alcance máximo], está na discricionariedade do legislador o alargamento, para fora do círculo dos sujeitos particularmente atingidos pela acção lesiva que é objecto da reacção penal, a legitimidade para intervir como assistente [cf. exemplos do que se pode designar por acção popular penal, além da alínea e) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP, na legislação avulsa indicada por M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª ed., vol. I, 1999, p. 355].

4 - Decisão.

Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 UC.

Lisboa, 7 de Março de 2006. - Vítor Gomes (relator) - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1488005.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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