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Despacho 12099/2012, de 13 de Setembro

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Sumário

Publica o Relatório n.º 11/2011-FS/SRMTC relativo à auditoria orientada para a assunção, pelas autarquias, de encargos com serviços de advocacia/consultadoria jurídica relacionados com ações desenvolvidas pelo Tribunal de Contas.

Texto do documento

Despacho 12099/2012

De acordo com o Programa Anual de Fiscalização desta Secção Regional para o ano de 2010, aprovado pelo Plenário Geral do Tribunal de Contas (TC), em sessão de 16 de dezembro de 2009(1), realizou-se uma auditoria orientada para a análise da legalidade da assunção e pagamento pelas associações de municípios e câmaras municipais da Região Autónoma da Madeira (RAM).

Essa auditoria teve por objeto os encargos com serviços de advocacia/consultadoria jurídica, relacionados com ações de fiscalização e com julgamentos no Tribunal de Contas. Em conformidade, foram selecionados os municípios e respetivas associações envolvidos em processos jurisdicionais e auditorias realizadas pelo TC, no período de 2007 a 2009.

A mesma auditoria inseriu-se na área do controlo financeiro sucessivo do Sector Público Administrativo das Autarquias Locais, e com a sua realização pretendeu-se reforçar a qualidade, a atualidade e a eficácia do controlo financeiro técnico e jurisdicional do Tribunal.

Para o efeito foram definidos os seguintes objetivos específicos:

1) Levantamento e avaliação dos encargos relacionados com processos jurisdicionais e de auditorias do TC;

2) Análise da legalidade dessas despesas na perspetiva do seu enquadramento (fundamentação) nas atribuições e competências das entidades auditadas e nos pressupostos dos artigo 5.º, alínea o) e 21.º do EEL(2);

3) Concretização das situações de fato e de direito integradoras de eventuais infrações financeiras e seus responsáveis, sendo caso disso.

Efetuados os trabalhos de campo e de análise, e após contraditório dos responsáveis, chegou-se às seguintes conclusões:

1 - Entre 2007 e 2009, as Câmaras Municipais da Ponta do Sol (CMPS), de Câmara de Lobos (CMCL), do Porto Moniz (CMPM) e do Funchal (CMF) e a Associação de Municípios da RAM (AMRAM) despenderam um total de 99 202,16(euro) com a aquisição de serviços de advocacia/consultadoria jurídica relacionados com processos jurisdicionais e de auditorias do Tribunal de Contas (TC).

2 - O pagamento de serviços de advocacia, no montante de 3 192,00(euro), efetuado pela Câmara Municipal de Ponta do Sol, não suscita reparos face ao disposto no artigo 21.º do Estatuto dos Eleitos Locais (EEL), uma vez que a Sentença n.º 4/2008-SRMTC, absolveu os responsáveis (cf. o ponto 3.1.1).

3 - A apreciação da legalidade dos pagamentos de serviços de advocacia efetuados pela Câmara Municipal do Funchal (27 463,75(euro)), no âmbito do processo 2/2008-JRF, está dependente da decisão do recurso, pese embora, já se possa adiantar que esse desembolso foi extemporâneo pois só após o trânsito em julgado da sentença recorrida é que se pode apurar se estão verificados todos os requisitos exigidos no artigo 21.º do EEL que permitem à autarquia suportar os encargos em causa (cf. o ponto 3.1.1).

4 - A Associação de Municípios da RAM (AMRAM), a Câmara Municipal de Câmara de Lobos (CMCL) e a Câmara Municipal do Porto Moniz (CMPM), despenderam ilegalmente um total de 51 802,36(euro) com serviços de assessoria jurídica em processos jurisdicionais desenvolvidos pelo TC que culminaram com a condenação dos responsáveis.

Na maioria dos casos, as autarquias suportaram os encargos antes de ser proferida a decisão final, o que contraria o referido artigo 21.º do EEL (cf. o ponto 3.1.2).

5 - A autarquia de Câmara de Lobos realizou despesas, no montante de 16 744,05(euro), no âmbito da prestação de serviços de advocacia e consultadoria relacionados com dois processos não jurisdicionais (processos de auditoria), o que impede os autarcas de beneficiarem do que não se enquadra no âmbito do patrocínio judiciário previsto no EEL (cf. o ponto 3.2.).

Perante isto, o Tribunal considerou, no relatório em referência, que os factos 4 e 5, supra, eram suscetíveis de constituir ilícitos geradores de responsabilidades financeiras sancionatória e reintegratória a cargo de:

1 - Presidente da AMRAM, Roberto Paulo Cardoso da Silva, e os membros do Conselho Diretivo da mesma associação, por pagamentos no valor de (euro) 25.403,16, relacionados com processos jurisdicionais, sem suporte legal.

2 - Presidente da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, Arlindo Pinto Gomes, e o técnico superior Nuno Barata, por pagamentos no valor de (euro) 15.853,97, relacionados com processos jurisdicionais, sem suporte legal.

3 - Presidente da Câmara Municipal de Porto Moniz, Gabriel de Lima Farinha e presidente da mesma Câmara, Edgar Valter Correia, por pagamentos no valor de (euro) 10.545,23, relacionados com processos jurisdicionais, sem suporte legal.

4 - Presidente da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, Arlindo Pinto Gomes, por pagamentos no valor de (euro) 16.744,05, relacionados com processos jurisdicionais, sem suporte legal.

Este relatório foi aprovado em sessão ordinária deste Tribunal, a 8 de setembro de 2011, com a presença do Ministério Público, por videoconferência, tendo antes tido vista do processo, com o projeto de relatório, nada tendo promovido, requerido ou objetado a tal aprovação. De seguida, foi-lhe remetido o processo, com o relatório já aprovado, nos termos dos artigos 29.º, n.º 4, e 57.º da LOPTC, para efeitos de instauração do processo jurisdicional de efetivação das referidas responsabilidades, ao abrigo dos artigos 89.º, n.º 1, alínea a) da mesma lei.

Tudo conforme consta do aludido relatório de auditoria e todos os seus anexos, que aqui se dão por inteiramente reproduzido, relatório esse que, por sua vez, constitui Anexo Único a esta decisão.

Em 3 de outubro de 2011, o Ministério Público decidiu não requerer procedimento jurisdicional e devolveu o processo a este Tribunal. Por sua vez, os legitimados subsidiários também nada requereram.

Seguia-se, em princípio, proferir despacho de arquivamento dos presentes autos.

Contudo, perante o teor do despacho em que o Digno Magistrado do Ministério Público se abstém de requerer o julgamento, com o qual não se pode, de modo nenhum, concordar, passa-se a analisar detidamente a referida decisão, para a final se decidir o destino deste processo.

Cumpre, pois, apreciar as seguintes considerações do M.P., exaradas no seu referido despacho e decidir:

A primeira questão suscitada pelo M.P. é a de saber se as despesas realizadas têm cobertura legal, pois os presumíveis responsáveis invocaram os arts. 5.º, al. q), e 21.º da Lei 29/87(3) citada, com as seguintes redacções:

«Artigo 5.º

Direitos

1 - Os eleitos locais têm direito, nos termos definidos nas alíneas seguintes:

...

q) A apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respetivas funções;

Artigo 21.º

Apoio em processos judiciais

Constituem encargos a suportar pelas autarquias respetivas as despesas provenientes de processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte, desde que tais processos tenham tido como causa o exercício das respetivas funções e não se prove dolo ou negligência por parte dos eleitos.» Deste normativo legal, tem o M.P. como correto que:

«tal como salientado no Relatório, são requisitos essenciais para que os autarcas eleitos tenham direito a esse tipo de apoio, cumulativamente:

Que haja um processo judicial contra si ou que queiram intentar [portanto, sejam parte(4)] Estando na origem de tais processos o exercício das suas funções;

"não se prove" (sic) que, (obviamente) nos factos praticados no exercício dessas funções, que os eleitos locais tenham agido com "dolo ou negligência".» E, prosseguindo, parece-lhe:

«não restarem quaisquer dúvidas que nos casos em que houve condenação, forçosamente os responsáveis agiram com, pelo menos, culpa, quer tenha sido por infracção causadora de responsabilidade reintegratória (ex vi artigo 61.º, n.º 5 da LOPTC), quer de sancionatória (ex vi artigo 65.º, n.os 3 e 4 da LOPTC). Nessa medida parece-nos igualmente indubitável que os responsáveis nesses processos não podiam beneficiar do apoio «judiciário» estabelecido no artigo 21.º do EEL.» A seguir, afasta decididamente, e bem, um invocado paralelismo que considera desajustado:

É evidente que se pode invocar o dito parecer do Conselho Consultivo da PGR, onde se refere que, nos casos de culpa leve (como aconteceu naqueles casos), o apoio referido tem fundamento legal. Com efeito, quanto a esse aspeto, convém esclarecer que se fez ali um paralelismo com a responsabilidade extracontratual do Estado(5), procedendo-se, a nosso ver, a uma interpretação altamente extensiva da norma que regulamenta o apoio judiciário prestado pelas respetivas autarquias aos eleitos locais, distinguindo-se a culpa leve dos agentes do Estado (que acarreta a responsabilidade do Estado) da culpa normal e grosseira (responsabilidade pessoal do autor material do ato causador do dano) e, nessa medida, o apoio a que nos vimos referindo seria garantido pelas autarquias quando se provasse a culpa leve: ou seja, ainda que o autor do facto danoso aja com negligência, sendo esta leve, as autarquias deveriam garantir o apoio a que se refere o artigo 21.º do EEL.

Mas tal paralelismo, para além de nos parecer desajustado por demasiado extensivo, é, a nosso ver, inaplicável nos casos das infracções financeiras (e, salvo o devido respeito pelos mui altos e dignos subscritores do citado Parecer, das penais) pela simples razão de subverter a previsão subjetiva das infrações (culpa), não fazendo a lei nesses casos qualquer distinção entre culpa leve, normal, grave e grosseira, antes fazendo incidir sobre o julgador o ónus de graduar a pena, reintegratória (6) ou sancionatória (7), em função dessa mesma culpa, tal como acontece com as penas penais (8) (passe-se o pleonasmo). Quer dizer, se o legislador quisesse efetivamente distinguir as diversas formas da culpa em tais tipos de infracção, prevê-las-ia expressamente na lei em obediência ao princípio da tipicidade e da legalidade, tal como o fez no citado regime da responsabilidade extracontratual do Estado.

E conclui, realçando esta evidência:

Nessa medida, parece-nos por demais evidente que não há lugar ao apoio judiciário estabelecido no citado artigo 21.º do EEL nos casos de condenação por infracção financeira, devendo os demandados condenados suportar os respetivos encargos.

É o que se verifica nos casos de condenação dos demandados eleitos locais e cujos encargos com mandatários foram suportados pelas Câmaras Municipais de:

Funchal (9);

AMRAM;

Porto Moniz e Câmara de Lobos, encargos esses, pois, que deviam ter sido suportados pelos próprios demandados condenados.

Portanto, o M.P. conclui aqui, sem margem para dúvidas, que as referidas autarquias não deviam ter pago os aludidos encargos, que recaíam sobre os próprios demandados condenados. E tem toda a razão.

A seguir, o Ministério Público interroga-se sobre «quando é que tal apoio deve ser concretizado» e, após tecer algumas considerações gramaticais sobre os tempos verbais utilizados pelo legislador, volta a concluir:

No entanto, porque a despesa tem de estar fundamentada na lei, quando for autorizada e realizada, em nenhum dos casos em apreciação (inclusive o caso da C.M. Ponta do Sol) os atos praticados estavam de acordo com a lei, e, portanto, todas as citadas despesas foram ilegais e, por via disso, com pagamentos indevidos.

Portanto, como se vê, não há dúvida de que o M.P. considera que «todas as citadas despesas foram ilegais e, por via disso, com pagamentos indevidos».

O que só reforça a sua posição sobre a ilegalidade dos pagamentos efetuados pelas referidas autarquias e a necessidade de instaurar a competente ação judicial no Tribunal de Contas para efetivar essas responsabilidades financeiras e recuperar para os cofres públicos o dinheiro pago indevidamente.

Depois, apesar de ter por assente que em todos os casos apreciados (Funchal, AMRAM, Porto Moniz, e Câmara de Lobos) não há lugar ao pagamento do apoio pelas autarquias, detém-se sobre o caso da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, nestes termos:

Posto isto, resta apreciar a atuação dos responsáveis da C.M. Câmara de Lobos quanto pagamento aos advogados pelos serviços prestados no âmbito de processos de auditoria [...] que, no entendimento expressado no relatório em análise, não são judiciais, pelo que, também nesse entendimento, não há lugar ao apoio em análise.

Salvo o devido respeito, não concordamos com tal entendimento, embora entendamos que há motivo para a verificação dos elementos objetivos de infração financeira, como passaremos a explicar.

Por outro lado, entende o M.P. que a auditoria e o subsequente processo judicial são um processo único e que:

«a auditoria do Tribunal de Contas assemelha-se, em quase tudo, a um inquérito penal, embora o seu escopo principal não seja a investigação de infracções financeiras».

Por isso, acha um «um contra-senso» que, se no fim dessa auditoria, se concluir que um presumível infrator eleito local nenhuma infração cometeu, tem ele de suportar os encargos com o advogado que tiver constituído, enquanto «noutro caso idêntico, o auditado vem a ser demandado e acaba absolvido e ...já tem o aludido apoio...».

Desde logo, existe um flagrante ilogismo nesta hipótese, pois se o segundo caso é idêntico é porque também aí não foi imputada qualquer infração e, por isso, não pode seguir-se-lhe uma ação jurisdicional. Ao invés, se ao eleito local houver sido atribuída a prática de uma infração, então não existe identidade entre esses dois casos, mas sim uma completa antinomia.

Além disso, importa realçar, as normas dos transcritos artigos 5.º, n.º 1, al. q), e 21.º da Lei 29/87, de 30 de junho, são de uma clareza cristalina, não requerendo o mínimo esforço interpretativo, basta a sua leitura para se conhecer inteiramente o que elas permitem e não permitem. Portanto, de tais normas resulta, reiterada e inequivocamente, que só há direito dos eleitos a que as suas autarquias lhes paguem os encargos, aqui em apreço, quando os processos em que foram parte sejam de natureza judicial.

Ora o processo de auditoria não é um processo judicial, mas sim um procedimento de cariz administrativo, regendo-se por normas da lei do Tribunal de Contas estranhas ao processo jurisdicional aí previsto. A tal auditoria, levada a cabo pela Direção-Geral do mesmo Tribunal, aplica-se também o Código de Procedimento Administrativo.

Por outro lado, o apontado paralelismo da auditoria com o inquérito criminal não tem base legal, nem existe qualquer analogia de fato ou de direito que autorize qualquer equiparação. Com efeito, os auditores tratam apenas de averiguar a regularidade e a legalidade das contas públicas, bem como a qualidade da gestão financeira. Não investigam esses profissionais, funcionários da referida Direção-Geral, o cometimento de crimes, nem são polícias ou agentes do Ministério Público para investigarem e instruírem processos penais. São realidades orgânica, substantiva e processualmente bastantes diferentes.

Acresce que o processo de auditoria e o processo jurisdicional, que se lhe segue, ou não, não formam um único processo, pelo contrário, são figuras jurídicas bem diferenciadas, terminando o primeiro, de índole administrativa, com a aprovação do respetivo relatório. Por sua vez, o segundo, judicial, começa com o impulso do M.P., depois da aprovação do relatório, e pauta-se pelas normas próprias da LOPTC e pelas do Código de Processo Civil.

Portanto, no processo de autoria, sejam ou não apontadas responsabilidades no correspondente relatório final, não há lugar ao pagamento pelas autarquias dos encargos do seu eleito com o processo em que foi visado, inclusive os honorários de advogado que facultativamente tenha constituído, ao abrigo do artigo 13.º da LOPTC.

No caso da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, o M.P veio a concluir que:

Pelas sentenças 2 e 3/2001 o presidente da C.M. Câmara de Lobos acabou por ser condenado e, portanto, a despesa com os causídicos nem sequer foi legalizada como aconteceu no caso da C.M. Ponta do Sol e pode acontecer com o do Funchal, não havendo lugar, pois, à aplicação do citado artigo 21.º do EEL nos casos das auditorias referidas, posto que se provou que houve culpa do responsável, ainda que diminuta.

Deste modo, uma vez mais, o Digno Magistrado do M.P. conclui que se provou ter havido culpa do responsável pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos.

E afirma serem estas as consequências:

De todo o exposto, parece claro que cada um dos presumíveis responsáveis de todas as entidades acima referidas que, ou autorizou despesa e ou autorizou o seu pagamento, objetivamente está incurso, pela despesa sem suporte legal válido, em infracção financeira sancionatória(10), prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea b) da LOPTC por violação das normas dos arts. 5.º, alínea q) e 21.º do EEL e punível com multa de 15 UC a 150 UC, e, porque daquela despesa houve dano no erário das respetivas representadas, em infração financeira reintegratória prevista no artigo 59.º, n.os 1 e 4 da LOPTC.

Portanto, a posição do M.P. é a de que os responsáveis estão incursos em infrações financeiras sancionatórias e reintegratórias. E estarem incursos significa que os agentes praticaram os factos que lhes são imputados e que esses factos preenchem, ainda que indiciariamente, as infrações financeiras cuja prática lhes é atribuída, em termos objetivos e subjetivos.

Contudo, chegado a este ponto, o Ministério Público volta atrás, ignora as conclusões que entretanto formulara e, afastando o dolo, volta a debruçar-se sobre a culpa para, surpreendentemente, afirmar que não há negligência, concluindo agora que:

«...não há elementos seguros que comprovem que os presumíveis responsáveis tenham agido com culpa, em qualquer das suas formas, e nessa medida o M.P não requer procedimento jurisdicional».

Ora o M.P. não apontou ao relatório de auditoria nenhuma falha ou insuficiência concretas, em termos de factos ou de provas, não obstante para isso ter tido oportunidade, em devido tempo, e só agora é que se queixa, vaga, conclusiva e, por conseguinte, abstratamente, de não haver «elementos seguros» que comprovem a culpa dos responsáveis.

Com efeito, o M.P. não apontou falhas ao conteúdo do relatório, nem mesmo em matéria de facto fundamentadora da culpa, porque efetivamente não existe qualquer falha ou insuficiência - o que torna ainda mais incompreensível a sua conclusão final de não reconhecer a culpa dos responsáveis.

Em apoio desta sua posição, o M.P. transcreve o sumário de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-06-2003, segundo o qual:

De acordo com a matriz do C. Penal só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência, previsão que ocorre em contra-ordenações estradais, agindo com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: (a) representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas atuar sem se conformar com essa realização; ou (b) não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto...».

Este acórdão, que no seu texto se limita a explicar o disposto no artigo 15.º do Código Penal, sobre negligência consciente e negligência inconsciente, alude à censura ética que carateriza estas duas espécies e caraterizando o elemento intelectual, que consiste na representação ou não pelo agente da possível prática de uma infração. No primeiro caso, o agente, embora sem se conformar com esse resultado, age livre e voluntariamente no sentido desconforme ao direito. No segundo caso, como o agente não chega a representar o cometimento de um ilícito, age também livre e voluntariamente e consuma o ato ilícito.

A culpa gira, assim, em torno dos elementos intelectual e volitivo, ou seja, a representação pelo agente de com a sua conduta poder cometer um facto contrário às normas legais e, mesmo assim, porque é um ser livre, age segundo a sua vontade e consuma esse facto não querido pela lei. Na negligência, ainda que consciente, não existe a intenção que carateriza o dolo e o agente não deseja o resultado danoso ou antijurídico, apenas confia, podendo e não devendo confiar, que esse resultado típico não se concretize (cf. M. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado e Comentado, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 1996, pp. 228-235).

Embora a base legal para aferir a culpa esteja bem equacionada pelo M.P., em matéria penal, já a sua aplicação à realidade factual, salvo o devido respeito, se mostra desencontrada.

Com efeito, o M.P., chamando à colação o aludido parecer da Procuradoria-Geral da República, cuja aplicação a este caso já tinha afastado, entende que a lei que prevê o pagamento pelas autarquias do apoio judiciário aos seus eleitos é de difícil interpretação e, salvo melhor opinião, confunde os elementos da culpa com os da consciência da ilicitude, nestes termos:

Se atentarmos no facto de, inclusivamente, o Parecer do Conselho Consultivo da PGR citado e que nos vimos referindo não ser um elemento que permita elucidar em que circunstâncias se deve considerar que a despesa é legal, posto que admite a legalidade se o infrator tiver agido com culpa leve - o que aconteceu em todos os casos de condenação narrados nestes autos (no caso da Ponta do Sol inclusivamente ocorreu uma absolvição e o mesmo pode acontecer - pelo menos teoricamente - com o do Funchal) -, como exigir que os autorizadores da despesa e ou do seu pagamento tivessem tido, em qualquer desses momentos (ou seja, quando é cometida a infracção financeira) o cuidado de, sequer, "representar como possível" que essa despesa era ilegal? Parece-nos evidente que a resposta é pela negativa, ou seja, entende-se que essa exigibilidade não se verificou nos casos em apreço.

A adotar-se esta posição do M.P., a primeira consequência, por apagogia, seria que se a lei é de difícil interpretação, então o agente pode desprezá-la e proceder como lhe aprouver, até mesmo contra o que ela dispõe, deixando de estar obrigado a agir com o cuidado e a diligência que lhe são exigíveis.

Todavia, por muito livre que se pretenda ser na interpretação da lei, a visão funcional do direito subjacente a esta interpretação, de que aqui frontalmente se discorda, não pode deixar de ter em conta a sensatez do legislador de não consagrar soluções iníquas. Além disso, o intérprete deve libertar-se de uma conceção meramente positivista ou mecanicista do direito e ser capaz de ter em devida conta as consequências de uma decisão proferida em função de determinada interpretação da lei, sobretudo questionar se essas consequências são justas ou injustas.

Ora, perante a insustentabilidade da asserção do M.P., a exigência que se coloca ao intérprete e ao agente é precisamente a inversa. Se a lei é de difícil interpretação, então deve redobrar o seu cuidado antes de atuar, empreendendo todas as diligências necessárias, e de que é capaz, para apurar o verdadeiro sentido da norma à luz da qual pode e deve agir. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil).

Isto admitindo, por hipótese académica, que as referidas normas são difíceis de interpretar - o que, manifestamente, não é o caso.

Além de que «a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas» (artigo 6.º do Código Civil).

Em todo o caso, nada nos autos indicia que os responsáveis dos aludidos municípios não tenham representado, antes pelo contrário, que ao pagarem encargos com ações judiciais envolvendo os seus eleitos, considerados culpados e, por isso, aí condenados, estavam a cometer uma infração financeira, a pagar uma despesa particular com dinheiro público da autarquia.

Acresce que também não resulta dos autos, inclusive do relatório de auditoria, que os responsáveis não tenham efetuado tais pagamentos indevidos livre e voluntariamente - resulta precisamente o contrário. Aliás, os responsáveis, visados no relatório, até adotaram outro fundamento de defesa, assente na doutrina do aludido parecer da Procuradoria-Geral da República que erroneamente extrapola da responsabilidade civil extracontratual do Estado e que, acertadamente, o M.P. considerou inaplicável no caso destes autos.

Com efeito, o dito parecer não versa sobre responsabilidade financeira e confunde responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, regulada pela Lei 67/2007, de 31 de dezembro, com a obrigação de pagar os encargos, emolumentos, custas e honorários decorrentes de uma ação em juízo. Só nessa responsabilidade aquiliana é que a lei distingue entre culpa grave e culpa leve, mas tal normativo não pode ser para aqui chamado, pois não se coloca aqui qualquer problema de responsabilidade civil.

Acresce que o M.P., como acima já se aflorou, ao estribar-se na suposta dificuldade de interpretação da lei, parece confundir desconhecimento da lei ou falta de consciência da ilicitude com a falta de representação e de cuidado que conduz à negligência.

Mas o M.P. não invoca falta de consciência da ilicitude por parte dos indiciados - que, na verdade, também não se indicia -, pois, apenas se esteia - contra as evidências constantes do relatório de auditoria e da documentação subjacente - na falta de culpa, para se abster de instaurar a ação judicial destinada a efetivar as responsabilidades financeiras. Antepõe assim, com todo o respeito, prematura e infundadamente, o seu "julgamento absolutório"

sobre os factos constitutivos da negligência, não deixando que seja o juiz natural a decidir, legitimamente e com todas as garantias de defesa, equidade, publicidade e recorribilidade.

E, a rematar, um último argumento:

Portanto, nem que seja pelo constitucionalmente consagrado princípio in dubio pro reo, não há elementos seguros que comprovem que os presumíveis responsáveis tenham agido com culpa, em qualquer das suas formas, e, nessa medida, o MºPº não requer procedimento jurisdicional.» Antes de mais, não se entende bem a formulação: «nem que seja pelo [...] princípio in dubio pro reo, não há elementos seguros...». Os elementos a que o M.P. se refere só podem ser factos e prova - ou há ou não há. Não é em obediência ou por causa do referido princípio que os há ou não. Além disso, o princípio in dubio, quando aplicável, só atua nas situações excecionais em que não existem nos autos elementos fácticos ou probatórios que permitam, com segurança, condenar o réu. No caso que aqui se discute, de responsabilidades financeiras, os factos e as provas até existem em abundância e sustentam, sem margem para dúvidas, a responsabilidade imputada aos visados.

Depois, importa lembrar que o princípio in dubio pro reo ou in dubio pro libertate, que é a base da presunção de inocência, pertence ao direito penal e não à responsabilidade financeira reintegratória, de base civilista.

Além disso, convocar para aqui apenas a matriz do Código Penal afigura-se redutor e insuficiente para aferir da culpa na responsabilidade financeira, pois, embora faça sentido quanto à sancionatória, na reintegratória a matriz é a do direito civil.

Mais, apelar tão-só às matrizes civil e penal, consoante o tipo de responsabilidade financeira, é ainda simplificar demasiado e descurar quer a natureza própria, quer a autonomia jurídica desta responsabilidade, inclusive no domínio da imputação subjetiva do fato ao agente.

Acresce que o "julgamento" impróprio e equívoco dos factos atinentes à culpa pela entidade que deveria requerer o julgamento judicial, sempre com o devido respeito, desconsidera também a obrigação que o artigo 61.º, n.º 6, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, impõe aos visados.

Na verdade, além de um dever de cooperação e de boa-fé processual com o Tribunal, tal normativo obriga os responsáveis a demonstrarem que a utilização de dinheiros e outros valores públicos colocados à sua disposição de forma legal foi regular e conforme aos princípios de boa gestão. Para tanto, a mesma norma garante aos visados o acesso a toda a informação disponível necessária. Portanto, no caso vertente, a abstenção de jurisdicionalizar a efetivação das responsabilidades financeiras, impede os responsáveis de fazerem uso desta disposição.

Em conclusão, este Tribunal remeteu ao Ministério Público o processo de auditoria em referência com o respetivo relatório aprovado evidenciando claros e muito fortes indícios de responsabilidades financeiras, por pagamentos indevidos, mas o Digno Magistrado decidiu não requerer o julgamento.

Revisitados e reapreciados que foram, por este Tribunal, o relatório e o processo de auditoria, nos termos supra descritos, os motivos do M.P. para se abster revelam-se totalmente improcedentes, ficando, assim, sem fundamento válido a sua decisão de não requerer o julgamento.

Deste modo, porque as responsabilidades financeiras dos visados identificados no relatório continuam vivas, por indiciária e abundantemente demonstradas, integrando as infrações financeiras aí imputadas, por pagamentos indevidos, os presentes autos não estão ainda em condições de serem arquivados.

Por conseguinte, este processo aguardará até que seja requerido o julgamento por quem para isso tenha legitimidade - designadamente ao abrigo do artigo 52.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos da Lei 83.º/95, de 31 de agosto (direito de ação popular) - ou até que as mencionadas responsabilidades financeiras prescrevam e, assim, se perca definitivamente a possibilidade de recuperar dinheiros públicos indevidamente gastos.

Notifique.

Após comunicação às entidades interessadas, publique o presente despacho e o correspondente relatório 11/2011-FS/SRMTC, como Anexo Único, na segunda série do Diário da República e no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, al. f), e n.º 3, da Lei 98/97, de 26 de agosto.

30 de julho de 2012. - O Juiz Conselheiro, João Aveiro Pereira.

ANEXO ÚNICO

Relatório 11/2011-FS/SRMTC

Auditoria orientada para a assunção, pelas autarquias, de encargos com

serviços de advocacia/consultadoria jurídica relacionados com ações de controlo e de fiscalização desenvolvidas pelo Tribunal de Contas.

Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas

Setembro/2011

Relação de siglas

AMRAM - Associação de Municípios da RAM Aud - Auditoria CD - Conselho Diretivo CI - Controlo Interno CM - Câmara Municipal CMCL - Câmara Municipal de Câmara de Lobos CMPM - Câmara Municipal do Porto Moniz CMPS - Câmara Municipal da Ponta do Sol DGAL - Direção-Geral das Autarquias Locais DL - Decreto-Lei DLR - Decreto Legislativo Regional DR - Diário da República EEL - Estatuto dos Eleitos Locais FC - Fiscalização Concomitante FS - Fiscalização Sucessiva JC - Juiz Conselheiro JRF - Julgamento por Responsabilidade Financeira LFL - Lei das Finanças Locais LOPTC - Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas LOE - Linhas de Orientação Estratégica MP - Ministério Público POCAL - Plano Oficial de Contabilidade das Autárquicas Locais PG - Plenário Geral PGA/PA - Plano Global da Auditoria/Programa de Auditoria PGR - Procuradoria - Geral da Republica OP - Ordem de Pagamento RAM - Região Autónoma da Madeira SRMTC - Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas RCM - Resolução do Conselho de Ministros RFS - Responsabilidade Financeira Sancionatória SPL - Secção em Plenário TC - Tribunal de Contas VEC - Verificação Externa de Contas Ficha técnica Supervisão/Coordenação: Miguel Pestana, Auditor-Coordenador/Auditor-Chefe.

Equipa de auditoria:

Merícia Dias, Técnica Verificadora Superior.

Ilídio Garanito, Técnico Verificador.

1 - Sumário

1.1 - Introdução

O presente documento consubstancia o resultado da auditoria orientada para a assunção, pelos municípios e suas associações, de encargos, no período de 2007 a 2009, com serviços de advocacia/consultadoria jurídica relacionados com processos jurisdicionais e de auditorias do Tribunal de Contas.

1.2 - Observações de auditoria

Na sequência dos trabalhos desenvolvidos e dos resultados obtidos, apresentam-se, de seguida, as principais observações:

1 - Entre 2007 e 2009, as Câmaras Municipais da Ponta do Sol (CMPS), de Câmara de Lobos (CMCL), do Porto Moniz (CMPM) e do Funchal (CMF) e a Associação de Municípios da RAM (AMRAM) despenderam um total de 99 202,16(euro) com a aquisição de serviços de advocacia/consultadoria jurídica relacionados com processos jurisdicionais e de auditorias do Tribunal de Contas (TC).

2 - O pagamento de serviços de advocacia, no montante de 3 192,00(euro), efetuado pela CMPS, não suscita reparos face ao disposto no artigo 21.º do Estatuto dos Eleitos Locais (EEL), uma vez que a Sentença n.º 4/2008-SRMTC, absolveu os responsáveis (cf. o ponto 3.1.1).

3 - A apreciação da legalidade dos pagamentos de serviços de advocacia efetuados pela CMF (27 463,75(euro)), no âmbito do processo 2/2008-JRF, está dependente da decisão do recurso, pese embora, já se possa adiantar que esse desembolso foi extemporâneo pois só após o trânsito em julgado da sentença recorrida é que se pode apurar se estão verificados todos os requisitos exigidos no artigo 21.º do EEL que permitem a autarquia suportar os encargos em causa (cf. o ponto 3.1.1).

4 - A Associação de Municípios da RAM (AMRAM), a Câmara Municipal de Câmara de Lobos (CMCL) e a Câmara Municipal do Porto Moniz (CMPM), despenderam ilegalmente(11) um total de 51 802,36(euro) com serviços de assessoria jurídica em processos jurisdicionais desenvolvidos pelo TC(12) que culminaram com a condenação dos responsáveis.

Na maioria dos casos, as autarquias suportaram os encargos antes de ser proferida a decisão final, o que contraria o referido artigo 21.º do EEL (cf. o ponto 3.1.2).

5 - A autarquia de Câmara de Lobos realizou despesas, no montante de 16 744,05(euro), no âmbito da prestação de serviços de advocacia e consultadoria relacionados com dois processos não jurisdicionais (processos de auditoria) o que impede os autarcas de beneficiarem do que não se enquadra no âmbito do patrocínio judiciário previsto no EEL (cf. o ponto 3.2.).

1.3 - Responsabilidade financeira

Os factos referenciados sintetizados nos pontos 4 e 5 são suscetíveis de tipificar ilícitos financeiros geradores de responsabilidade financeira sancionatória e reintegratória enunciada no quadro constante do Anexo I e desenvolvida ao longo do presente documento.

1.4 - Recomendação

No contexto da matéria exposta no Relatório e resumida nas observações da auditoria, o Tribunal de Contas recomenda aos municípios abrangidos pela auditoria e à AMRAM que diligenciem no sentido da assunção de despesas com o apoio judicial aos autarcas só ser efetuada nos casos em que se verifique a observância dos pressupostos consagrados no Estatuto dos Eleitos Locais [cf. o artigo 21.º da Lei 29/87, de 30 de junho(13)].

2 - Caraterização da Ação

2.1 - Fundamento e âmbito

De acordo com o Programa Anual de Fiscalização da SRMTC para o ano de 2010, aprovado pelo Plenário-Geral do Tribunal de Contas, em sessão de 16 de dezembro de 2009(14), realizou-se uma auditoria orientada para a análise da legalidade da assunção e pagamento pelas associações de municípios e câmaras municipais da RAM de encargos com serviços de advocacia/consultadoria jurídica relacionados com ações de fiscalização e com julgamentos no Tribunal de Contas.

Nessa conformidade, foram selecionados os municípios e respetivas associações envolvidos em processos jurisdicionais e auditorias realizadas pelo TC, no período de 2007 a 2009.

2.2 - Objetivos

A auditoria inseriu-se na área do controlo financeiro sucessivo do Sector Público Administrativo das Autarquias Locais, e com a sua realização pretendeu-se reforçar a qualidade, a atualidade e a eficácia do controlo financeiro técnico e jurisdicional do Tribunal.

Para o efeito foram definidos os seguintes objetivos específicos:

1) Levantamento e avaliação dos encargos relacionados com processos jurisdicionais e de auditorias do TC;

2) Análise da legalidade dessas despesas na perspetiva do seu enquadramento (fundamentação) nas atribuições e competências das entidades auditadas e nos pressupostos dos artigos 5.º, alínea o), e 21.º do EEL(15);

3) Concretização das situações de facto e de direito integradoras de eventuais infrações financeiras e seus responsáveis, se for o caso disso.

2.3 - Metodologia e técnicas de controlo

A metodologia adotada na realização da presente ação englobou três fases distintas: a de planeamento, a de execução e a de análise e consolidação da informação, tendo-se seguido no seu desenvolvimento os métodos e técnicas definidos no Manual de Auditoria e de Procedimentos(16).

A) Fase de planeamento/execução:

Procedeu-se à interpelação das câmaras municipais e das associações de municípios, para determinar o montante e analisar as despesas assumidas com serviços e ou consultadoria jurídica no âmbito de processos jurisdicionais do TC, e;

Verificou-se a legalidade dos encargos assumidos e dos correlativos pagamentos com base nas faturas, recibos, ordens de pagamentos e despachos/pareceres que sustentaram a realização das despesas.

B) Análise e consolidação da informação;

Apreciação da consistência dos dados recolhidos;

Consolidação da informação obtida junto das referenciadas.

2.4 - Entidades auditadas e responsáveis

Dada a natureza e os objetivos definidos esta auditoria incidiu sobre a AMRAM e sobre as câmaras municipais que efetuaram pagamentos relacionados com processos desenvolvidos pelo TC (CMF, CMCL, CMPM, CMPS) cujos responsáveis, no período de 2007 a 2009, constam do Anexo VI.

2.5 - Condicionantes e grau de colaboração dos responsáveis O trabalho decorreu dentro dos parâmetros da regularidade, realçando-se a disponibilidade, a colaboração e o espírito de cooperação dos responsáveis contatados, designadamente quanto às questões colocadas e à documentação solicitada ao universo das entidades objeto desta ação.

2.6 - Contraditório

Para efeitos do exercício do contraditório e, em cumprimento, do disposto no artigo 13.º da Lei 98/97, de 26 de agosto, na redação dada pela Lei 48/2006, de 29 de agosto, procedeu-se à audição dos membros do Conselho Executivo da AMRAM, dos Presidentes da CMF, da CMPS, da CMCL e da CMPM, do ex-presidente da CMPM e, bem assim, do Técnico Superior que elaborou a informação que sustentou o despacho autorizador do Presidente da CMCL exarado em 05/06/2008, nos termos do n.º 4 do artigo 61.º da LOPTC.

A argumentação apresentada(17) foi tida em consideração ao longo do texto, designadamente através da sua transcrição e inserção nos pontos pertinentes, em simultâneo com os comentários considerados adequados.

2.7 - Enquadramento jurídico

De acordo com a alínea o) do n.º 1, do artigo 5.º da Lei 29/87, de 30 de junho(18) que aprovou o Estatuto dos Eleitos Locais(19) (EEL), «os eleitos locais têm direito a apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respetivas funções» constituindo, nos termos do artigo 21.º do Estatuto(20), encargos a suportar pelas respetivas autarquias, as despesas provenientes de processos judiciais(21) em que os eleitos locais sejam parte, mediante a verificação de determinados pressupostos.

Para além da responsabilidade civil e criminal, os eleitos locais podem, ainda, incorrer em responsabilidade financeira nos termos da Lei 98/97, de 26/08 (cf. a alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º e os artigos 57.º a 70.º) cuja efetivação compete ao Tribunal de Contas (cf. os artigos 1.º, n.º 1, da LOPTC e a alínea c) do n.º 1 do artigo 214.º da Constituição da República Portuguesa).

A responsabilidade financeira é comummente definida como a suscetibilidade de alguém poder vir a constituir-se na obrigação de repor fundos públicos ou suportar as sanções punitivas legalmente previstas, na sequência de ações de controlo desenvolvida pelo TC ou pelos órgãos de CI, em razão do incumprimento das normas disciplinadoras da atividade financeira do Estado e demais entes públicos.

São pressupostos da efetivação da responsabilidade financeira:

Ato financeiro ilícito;

Elemento subjetivo - qualidade do autor/funções exercidas (artigo 61.º);

Elemento objetivo - existência de dano financeiramente avaliável;

Elemento culposo - culpa do agente (artigo 61.º/5);

Nexo de causalidade - relação entre o facto e o dano.

Em face do que antecede é evidente que as decisões condenatórias envolvem sempre um juízo de culpabilidade (seja ela dolosa ou a título de negligência), de harmonia com os artigos 61.º, n.º 5, e 64.º da LOPTC.

Aos poderes jurisdicionais consubstanciados no julgamento da responsabilidade financeira (artigo 58.º da LOPTC(22)) juntam-se os poderes de controlo financeiro(23), traduzidos numa atividade técnica de apreciação da atividade financeira pública na perspetiva da legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas e da boa gestão financeira, consubstanciados, maxime, nos Pareceres sobre as Contas do Estado e das Regiões Autónomas, nos relatórios de auditoria e nas decisões de concessão ou recusa de visto.

Assim sendo, as principais competências ao nível da fiscalização/controlo financeiro (artigo 5.º da LOPTC) são:

Verificar as contas dos organismos, serviços ou entidades sujeitos à sua prestação [verificação interna das contas(24) e verificação externa de contas(25) (artigos 53.º, 54.º, 55.º 104.º da LOPTC, e 10.º do Regulamento da SRMTC)];

Realizar por iniciativa própria, ou a solicitação da AR ou do Governo, auditorias a entidades a que se refere o artigo 2.º (artigo 55.º da LOPTC);

Fiscalizar previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos atos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesa, consubstanciando-se essa competência em decisões de concessão ou recusa de visto.

3 - Resultados da análise

De acordo com as respostas obtidas na sequência da circularização, os municípios e respetivas associações:

Não suportaram encargos(26) com custas judiciais e com multas a que os respetivos responsáveis tenham sido condenados no âmbito de processos jurisdicionais desenvolvidos pelo TC;

Assumiram encargos com serviços de advocacia e consultadoria jurídica relacionados com a ação do TC.

3.1 - Assunção de encargos decorrentes de processos jurisdicionais O EEL prevê que as despesas provenientes de processos judiciais (cf. o Anexo III) possam ser assumidas pelas respetivas autarquias [ex vi dos artigos 5.º, n.º 1, alínea o) e 21.º, ambos da Lei 29/87(27)], desde que, cumulativamente, sejam observados os seguintes pressupostos:

As despesas têm de ser provenientes de processos judiciais;

Os atos que deram origem ao processo judicial e às inerentes despesas tenham sido praticados pelo eleito local no exercício das suas funções e por causa delas;

Não se prove que esses atos foram praticados com dolo(28) ou negligência(29).

A questão do apoio aos autarcas nos processos judiciais em que sejam parte, foi tratada no Parecer 81/2007 do Conselho Consultivo da Procuradoria - Geral da Republica (PGR)(30), onde se preconiza, entre outras matérias que, só após a decisão final do processo judicial poderá apurar-se se estão preenchidos os pressupostos de que depende a concessão do apoio, pelo que só então deverá ser autorizada a sua atribuição.

3.1.1 - Pagamento de encargos com decisão absolutória

Na sequência do julgamento da factualidade enunciada no Relatório 2/2007-FS/SRMTC - "Auditoria à dívida dos Municípios da RAM titulada por contratos de factoring" (Proc.º n.º 09/06 - Aud/FS) foi proferida, em 1.ª instância, a Sentença n.º 4/2008, de 12/12/2008 (Proc.º n.º 2/2008-JRF) que absolveu os responsáveis(31) da CMPS e da CMF.

No entanto, na sequência dos recursos entretanto apresentados, ainda não há decisão definitiva sobre a responsabilização dos vereadores da CMF devido à pendência do Recurso n.º 1/2010(32).

Em face do que antecede, conclui-se:

a) Relativamente à CMPS, que a assunção e pagamento de encargos com serviços de advocacia/consultadoria jurídica, no montante de 3 192,00(euro), foi legal já que se consideram preenchidos os três requisitos previstos no EEL e o correlativo pagamento só foi efetuado (em 18/3/2009) após o trânsito em julgado da sentença absolutória do responsável municipal(3 3);

b) Relativamente à CMF, que a pendência do recurso não permite, ainda, determinar a legalidade da assunção das despesas pelo município pese embora se possa adiantar que o pagamento de 27.463,75(euro) à sociedade de advogados é extemporâneo pois, não só não ocorreu a decisão final do processo como o resultado do recurso da Sentença n.º 4/2008 foi desfavorável aos responsáveis municipais.

A CMPS respondeu que nada tinha a acrescer.

O Presidente da CMF alegou que, quanto à questão da eventual ilegalidade adveniente da sentença não ser totalmente absolutória, reservava-se no direito de apresentar a seu tempo, se for o caso, o devido contraditório, adiantou, contudo, que a autarquia deve prestar apoio também quando haja condenação por culpa leve, alicerçando-se no aludido Parecer 81/2007 do Conselho Consultivo da PGR.

Relativamente ao facto do pagamento das despesas ter ocorrido antes da decisão final do processo, o presidente da CMF aduz que o artigo 21.º do EEL nada refere a esse respeito, "sendo certo que o apoio jurídico que esse preceito reconhece aos autarcas apenas assume, de facto, uma materialidade condicente com a sua previsão se o mesmo puder ser assumido desde o momento inicial em que a assistência jurídica for necessária [...] é insustentável que o apoio jurídico assumido por aquele mesmo preceito seja efetivamente concretizado a partir do momento em que a entidade municipal apenas apoie o autarca por via de reembolso de despesas e já não por via da própria contratação de serviços jurídicos [...]".

Acrescentou ainda que o pagamento dos montantes em causa ocorreu antes da publicação do referido Parecer, o qual parece concluir que se trata de um reembolso da autarquia das despesas em que o autarca incorreu e não de uma contratação de serviços.

Finalmente, chamou a atenção que "[...] nem faz sentido a Autarquia contratar os serviços depois do serviço prestado..., nem faz sentido contratar os serviços e depois não os pagar no momento em que esse pagamento lhe for exigido.", inquirindo qual é o correto procedimento.

Esta questão do momento do pagamento das despesas é tratada no ponto seguinte.

3.1.2 - Pagamento de encargos com decisão condenatória

O mapa seguinte espelha as despesas realizadas, no período de 2007 a 2009, com processos jurisdicionais do TC que resultaram na condenação dos responsáveis e que, por conseguinte, não poderiam ter sido assumidas pelas entidades públicas em virtude de não estar preenchido um dos condicionalismos estabelecido no artigo 21.º do EEL, especificamente, o de não se provar "dolo ou negligência por parte dos eleitos".

Com efeito, tal condição não se verifica nos processos identificados, pois, nos termos do n.º 5 do artigo 61.º da Lei 98/97, só há infração financeira se o facto, para além de ilícito, tiver sido praticado com culpa (dolo ou negligência)(34) o que impede que os pagamentos em causa se subsumam na previsão normativa do artigo 21.º do EEL.

(ver documento original) De entre a documentação recolhida relevam para o apuramento das responsabilidades os factos seguintes:

a) Aquando da autorização das despesas o Presidente do Conselho Diretivo da AMRAM e o Presidente da CMCL invocaram o disposto na alínea o) do n.º 1 do artigo 5.º do EEL, sem mencionar o artigo 21.º, e os pressupostos nele insertos;

b) A autorização da despesa proferida pelo Presidente da CMCL foi precedida de uma informação interna do Serviço de Contabilidade(35), datada de 5 de junho de 2008, que justifica a contratação com "... a inexistência nos quadros afetos ao Município de advogado com comprovada experiência na matéria a julgamento";

c) A autorização da despesa com a contratação de serviços de advocacia pela CMPM foi emitida, em 26/06/2009, pelo então Presidente da Câmara (Gabriel de Lima Farinha) mas o seu pagamento só foi autorizado (em 18/11/2010) pelo atual Presidente (Edgar Valter Castro Correia);

d) O pagamento das despesas assumidas pela AMRAM foi autorizado pelo Conselho Diretivo daquela entidade enquanto, na CMCL, os pagamentos foram autorizados pelo Presidente da Autarquia.

Neste contexto, a factualidade que antecede é suscetível de gerar responsabilidade financeira sancionatória, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC e responsabilidade financeira reintegratória, nos termos dos n.os 1 e 4 do seu artigo 59.º, no montante global de (euro) 51.802,36 (cf. o quadro anterior) imputável às entidades que autorizaram as despesas e os pagamentos (cf. o Anexo V).

No caso da CMCL, a responsabilidade financeira é ainda suscetível de recair sobre o Técnico Superior que elaborou a informação(36) que sustenta o despacho do Presidente da CMCL, nos termos do n.º 4 do artigo 61.º da LOPTC(37).

A factualidade em análise suscita ainda a questão do pagamento de despesas com patrocínio judiciário antes da decisão final do processo de julgamento, facto que, contraria o atual enquadramento legal (cf. igualmente o Parecer 81/2007 do Conselho Consultivo da PGR) na medida em que um dos requisitos estabelecidos no artigo 21.º da Lei 29/87, especificamente o da comprovação da ausência de dolo ou negligência na atuação do autarca, só é aferível depois do trânsito em julgado da decisão final.

As alegações incidiram sobre 2 questões:

I. Pressupostos do pagamento das despesas provenientes de processos

judiciais em que sejam partes os autarcas

A) A AMRAM, a CMCL e a CMPM, vieram alegar que estavam preenchidos todos os pressupostos estabelecidos no artigo 21.º do EEL, na medida em que esta norma não pode deixar de ser interpretada à luz da regra geral de que os titulares dos órgãos autárquicos não respondem civilmente quando o ato tiver sido praticado pelo eleito local com diligência e zelo não manifestamente inferiores aos que se encontrava obrigado em razão do cargo, ou seja, nos casos em que se verifique culpa leve do autarca, a autarquia deve prestar o apoio tal como reconhece o Parecer 81/2007 do Conselho Consultivo da PGR sustentado no n.º 1 do artigo 8.º da Lei 67/2007, de 31/12.

Sobre as alegações produzidas reitera-se o entendimento de que o processo judicial para efetivação da responsabilidade financeira é distinto dos processos para apuramento da responsabilidade criminal ou civil, pois, é regulado por uma lei especial de processo (Lei 98/97, de 26/08), a qual possui critérios próprios (cf. os artigos 59.º a 70.º), não obstante recorrer aos conceitos e princípios jurídicos enformadores do Direito Penal e do Direito Civil, bem como aos respetivos Códigos de Processo [artigo 80.º da LOPTC(38)].

Nos termos do n.º 5 do artigo 61.º da Lei 98/97, só há infração financeira se o facto, para além de ilícito, tiver sido praticado com culpa (dolo ou negligência), competindo ao Tribunal de Contas fazer a sua graduação (cf. o artigo 64.º, também aplicável à responsabilidade financeira sancionatória ex vi do n.º 3 do artigo 67.º da LOPTC).

A culpa abrange todos os elementos subjetivos do delito, ou seja, o dolo e a negligência, traduzindo-se na censura dirigida ao agente por atuar com o conhecimento do facto que está a praticar (culpa dolosa) ou por atuar sem o cuidado devido (culpa negligente).

Ora, o EEL refere a negligência que é uma forma de culpa, não distinguindo a culpa leve da grave. Assim, Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemos (onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir). Além disso, o que aqui está em causa é a assunção (ou não), de uma despesa feita com o processo, o que é diferente da responsabilidade civil extracontratual ou criminal dos titulares de cargos públicos Assim, não se perfilha o entendimento vertido no Parecer 81/2007(39) segundo o qual o artigo 21.º da Lei 29/87 embora se refira à "negligência", deverá considerar-se aplicável apenas à culpa grave, ou seja, que a autarquia deve prestar o apoio quando o ato tiver sido praticado pelo eleito local com culpa leve.

B) Seguidamente, sintetizamos os argumentos específicos apresentados por cada auditado:

O ex-presidente da CMPM (Gabriel de Lima Farinha) e o atual presidente (Edgar Valter Castro Correia) alegam que a condenação proferida na Sentença n.º 5/2009 foi com dispensa de aplicação de pena, por ter havido mera negligência, isto é, provou-se que houve apenas culpa leve, alertando que, na mesma decisão judicial, afirma-se que "não deixa de ser evidente o diminuto grau de culpa com que atuou".

Alegam ainda que se trata de uma sentença parcialmente condenatória, em relação a uma parte da acusação com dispensa de pena, e parcialmente absolutória, relativamente a uma parte relevante da acusação. Finalmente, sustentaram que a faturação ocorreu depois do trânsito em julgado da sentença, e que não tinha fundamento a discussão em torno da questão de saber se havia direito a reembolso ou a custeio direto por parte do Município de Porto Moniz, na medida em que, "na altura em que a despesa foi objeto de pagamento, era inequívoco que, em última instância, seria sempre esta entidade chamada a suportar aquelas despesas, nos termos e com fundamento na disposição legal supra citada."

O atual presidente da CMPM alegou ainda que tomou posse a 2/11/2009 e que a despesa de contratação dos serviços em causa tinha sido autorizada pelo Ex-Presidente a 26.06.2009. Invocou o ponto 2.6.1 do POCAL, para justificar que a sua responsabilidade pela liquidação da despesa/compromisso de aquisição dos serviços em análise não lhe pode ser imputada, pois, segundo a mesma norma a despesa nasce com um compromisso, e com ele nasce também o dever de liquidação do compromisso, desde que haja prestação. Argumentou ainda que a Sentença n.º 5/2009 não lhe foi dada a conhecer nem aos serviços de contabilidade da CM, tendo enviado uma listagem da correspondência entrada na edilidade, alegando contudo que se "a decisão fosse do seu conhecimento e do serviço de contabilidade da edilidade, não tinha procedido à liquidação indicada nos presentes autos.".

A AMRAM, veio alegar que no processo em causa (processo 1/2007-JRF) foram acusados 8 autarcas mas apenas um foi condenado, tendo sido por mera negligência, ou seja, provou-se apenas culpa leve.

Alegaram ainda que a defesa que "os ilustres causídicos contratados empreenderam foi, como se sabe, uma defesa única [...]. Por seu turno, uma parte dos honorários foi seguramente fixada tendo também em conta os resultados alcançados [...]", para além de que, certas despesas teriam que ter sempre lugar como as despesas de deslocação e estadia (ex: notas de débito n.os 822 e 988).

O Presidente da CMCL argumentou que, de facto foi condenado na Sentença n.º 1/2009, mas por mera negligência, ou seja, provou-se que houve apenas culpa leve, daí que a condenação se tivesse traduzido numa multa reduzida de 500 euros(40), concluindo que não existe ilegalidade no pagamento da despesa por parte do Município.

Da análise do conteúdo concreto de cada uma das decisões condenatórias, verifica-se que, no caso da CMPM(41) e da CMCL(42), a condenação assentou na culpa leve dos autarcas, o que se constatou, igualmente, no caso da AMRAM(43), em que apenas um dos oito autarcas acusados foi condenado mas com diminuto grau de culpa.

Nesta conformidade, e como é de direito, tendo havido uma decisão jurisdicional no sentido da existência de culpa ou negligência dos autarcas em causa, não resta outra conclusão que não seja a de configurar como ilegais e indevidos os encargos em análise que foram suportados pelas entidades públicas.

Relativamente à norma do POCAL invocada pelo presidente da CMPM para justificar que a responsabilidade não lhe pode ser imputada, refira-se que a responsabilidade financeira direta recai sobre o agente ou agentes da ação, nos termos do n.º 2 do artigo 62.º da LOPTC, assim, distinguindo a lei no processo de realização da despesa as fases de assunção, autorização e pagamento, deve ser responsabilizado quem praticou a infração financeira, sem prejuízo de, em sede de julgamento, o julgador avaliar o grau de culpa de harmonia com as circunstâncias do caso, nos termos do n.º 5 do artigo 61.º e do artigo 64.º da LOPTC.

De qualquer modo, no caso vertente, o atual autarca só se poderia eximir da responsabilidade que se lhe imputa se, tivesse efetivado, junto do anterior presidente da câmara, o direito de regresso da autarquia porque, desse modo, cairiam por terra os pressupostos da reintegração do erário público por pagamentos indevidos.

II. Questão do momento do pagamento de despesas com patrocínio judiciário Relativamente ao momento do pagamento das despesas, a AMRAM, a CMCL e a CMPM alegam em síntese o seguinte:

O artigo 21.º do EEL nada refere sobre o assunto;

O patrocínio judiciário que esse preceito reconhece aos autarcas apenas assume, de facto, uma materialidade condicente com a sua previsão se o mesmo puder ser assumido desde o momento inicial em que a assistência jurídica for necessária;

Nalguns casos só depois de pagos os montantes em causa é que foi publicado no Diário da República o Parecer 81/2007 da PGR;

O Parecer 81/2007 da PGR parece concluir que se trata não de uma contratação de serviços pela autarquia, mas de um reembolso da autarquia das despesas em que o próprio autarca incorreu. Essa questão até então não era inequívoca;

Passarão a atuar em função do que Tribunal de Contas entender ser o procedimento correto;

Estaria em causa uma diferente perspetiva procedimental sobre qual a correta aplicação do artigo 21.º do EEL já que os encargos eram, em qualquer caso, da entidade e não dos demandados.

Quanto a esta matéria, independentemente de futura clarificação legislativa que possa vir a ser concretizada, parece evidente, face à norma em apreço, que o pagamento das despesas só deve ser feito no final do processo uma vez que a inexistência de dolo ou negligência por parte dos eleitos locais só é apurada nessa fase. Nesse sentido, os inerentes encargos deveriam correr por conta do autarca, que, após o trânsito em julgado da sentença absolutória, seria reembolsado, pela autarquia.

3.2 - Assunção de encargos no âmbito de auditorias realizadas pelo TC No âmbito dos trabalhos desenvolvidos constatou-se que o Município de Câmara de Lobos foi a única entidade que assumiu encargos com serviços de advocacia e consultadoria, no montante total de 16.744,05(euro), no âmbito de processos de auditoria (cf. o Anexo IV):

"Elaboração de resposta, e acompanhamento subsequente do relatório de auditoria do TC a quatro contratos de empreitada" (serviços jurídicos prestados entre 3/12/08 e 31/5/09) e, "Elaboração de resposta de audiência prévia em processo de auditoria promovido pela" SRMTC (serviços prestados entre 1/5 e 30/9/2009, no âmbito da auditoria de fiscalização concomitante à empreitada de construção da Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos)(44).

Estes processos desembocaram em dois julgamentos em que foram exaradas as Sentenças n.os 2 e 3/2011, que condenaram o presidente da CMCL, nos anos de 2007 e 2008, no pagamento de multa, referindo-se nas mesmas a diminuta ilicitude e o diminuto grau de negligência (Sentença n.º 2/2011) e à conduta meramente negligente dos condenados (Sentença n.º 3/2011).

As despesas emergentes, no valor total de 16 744,05(euro), foram autorizados pelo Presidente da CMCL (cf. o Anexo IV) tendo os correlativos despachos invocado a fundamentação emergente da alínea o) do n.º 1 do artigo 5.º do EEL, explicitando "que os membros eleitos da Câmara Municipal de Câmara de lobos, têm direito a apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respetivas funções".

Ora, estes encargos foram assumidos no âmbito da audição dos responsáveis em processos de auditoria (que culminam com a aprovação de um relatório de auditoria contendo as comprovações, conclusões e, eventualmente, as recomendações que o Tribunal considere útil formular) ao abrigo do artigo 13.º da LOPTC(45), e não no âmbito de um processo judicial (i.e., de um processo de julgamento de responsabilidades financeiras, a efetuar por um Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas, com origem, em geral, num requerimento do Magistrado do Ministério Público, na sequência de factos enunciados num relatório de auditoria).

Como o âmbito de aplicação do patrocínio judiciário não abrange os processos de caráter não judicial (i.e., de caráter administrativo) a aquisição pelo Município, com fundamento no EEL, de serviços de assessoria jurídica aos membros da Câmara Municipal a quem é imputada eventual responsabilidade financeira em relatórios de auditoria, carece de base legal, contaminando com isso a legalidade das correlativas despesas (cf. a alínea d) (46) do Ponto 2.3.4.2. do POCAL, aprovado pelo Decreto-Lei 54-A/99).

O enquadramento das citadas despesas no âmbito das atribuições e competências da autarquia será discutível na medida em que não é evidente o interesse público (por oposição ao interesse privado dos responsáveis) prosseguido com essas aquisições de serviços.

A confirmar-se este entendimento, os pagamentos em causa, no montante global de 16.744,05(euro), seriam ilegais e indevidos, e consequentemente, configurariam uma infração financeira suscetível de gerar responsabilidade financeira reintegratória e sancionatória à luz dos artigos 59.º e 65.º da LOPTC, imputável ao Presidente da CMCL que autorizou as despesas e os pagamentos em causa.

A CMCL respondeu que as auditorias "são apenas uma etapa da efetivação de responsabilidade por infrações financeiras [...] constituindo um verdadeiro momento do iter processual que, como se verá, revela um caráter de judicialização sem paralelo no ordenamento jurídico português [...]", alegando, em síntese, que:

A fase de auditoria é presidida por um juiz relator;

Na fase da auditoria é dada oportunidade aos alegados "responsáveis" para pagamento voluntário;

Ao Ministério Público são dadas vistas aos projetos de relatório;

As multas previstas nos artigos 66.º da LOPTC são decididas por um juiz;

O princípio do contraditório é cumprido ouvido o responsável pela infração financeira;

O texto dos relatórios de auditoria é fixado pelo Tribunal;

A 2.ª Secção do Tribunal de Contas tem competência em matéria sancionatória logo de natureza jurisdicional;

Em matéria sancionatória, é supletivamente aplicável o Código do Processo Penal, e do mencionado Parecer não se retira qualquer exclusão da fase do inquérito ao patrocínio judiciário;

Mais concluíram que numa auditoria do Tribunal de Contas "tudo se passa sob a presidência efetiva de um juiz, não tendo o legislador abdicado de dedicar uma secção judicial à direção da investigação, à garantia do contraditório e à decisão de aprovação do relatório de auditoria. Decisão essa que, se é certamente judicial, nunca será menos do que uma acusação do Ministério Público". Acrescentando que a posição assumida no ponto em causa redunda numa "contração efetiva do acesso ao direito na articulação com outros processos judiciais, violando, por isso, os princípios da igualdade e proporcionalidade [...]".

A argumentação produzida faz ressaltar as especificidades do Tribunal de Contas, também patentes nos pontos 3.2 e 2.7, entendendo-se que a resposta à questão suscitada encontra resposta na própria LOPTC, mormente no seu artigo 58.º, também assinalado nos referidos pontos, de onde ressalta a ideia que a efetivação de responsabilidades financeiras tem lugar mediante duas espécies processuais (julgamento de contas e julgamento de responsabilidades financeiras). Os poderes jurisdicionais são poderes de julgamento, prerrogativa que cabe exclusivamente ao poder judicial. As ações de controlo e fiscalização são processos técnico-administrativos, não são processos judiciais nem têm a natureza de inquérito do Direito Penal.

Por outro lado, há que ponderar igualmente o que resulta do princípio constitucional da proporcionalidade (artigo 266.º da Constituição da República) que a contratação de serviços externos por órgãos da administração apenas estará justificada se forem observados os requisitos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Aquando da contratação de serviços externos, deve ficar demonstrado que os serviços não possuem os meios e qualificações indispensáveis para desenvolver, por si, tais competências.

4 - Emolumentos

Nos termos do n.º 1 do artigos 10.º e 11.º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei 66/96, de 31 de maio(47), os emolumentos devidos por cada uma das entidades auditadas remontam a 3.001,86(euro) (15.009,30(euro), repartidos de forma equitativa pelos organismos auditados conforme o cálculo apresentado no Anexo VII).

5 - Determinações finais

Nos termos conjugados dos artigos 78.º, n.º 2, al. a); 105.º, n.º 1, e 107.º, n.º 3, todos da Lei 98/97, de 26 de agosto, decide-se:

a) Aprovar o presente Relatório e a recomendação nele formulada;

b) Ordenar que exemplares deste Relatório sejam remetidos:

1) Ao Vice-Presidente do Governo Regional da Madeira, na qualidade de responsável máximo pela entidade que detém a tutela administrativa das Autarquias Locais da RAM;

2) Ao Presidente da Associação de Municípios da RAM e aos membros do seu Conselho Diretivo identificados no ponto 1 do Anexo VI;

3) Ao Presidente da Câmara Municipal de Câmara de Lobos e ao Técnico Superior que elaborou a Informação 0002.8.IF.CTDAV, de 05/06/2008 (Proc.º 66/2006);

4) Ao atual e ao anterior Presidente da Câmara Municipal do Porto Moniz;

5) Aos Presidentes das Câmaras Municipais do Funchal e da Ponta do Sol.

c) Determinar que o Tribunal de Contas seja informado, no prazo de um ano, sobre as diligências efetuadas para dar acolhimento à recomendação constante do Relatório agora aprovado;

d) Fixar os emolumentos devidos em 15.009,30(euro) conforme cálculo apresentado no Anexo VII;

e) Determinar a entrega do processo da auditoria ao Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto desta Secção Regional, nos termos dos artigos 29.º, n.º 4, e 57.º, n.º 1, ambos da Lei 98/97, de 26 de agosto.

f) Mandar divulgar o presente Relatório na Intranet e no sítio do Tribunal de Contas na Internet, depois de ter sido notificado aos responsáveis.

Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, em 8 de setembro de 2011. - O Juiz Conselheiro, João Aveiro Pereira. - A Assessora, Ana Mafalda Nobre dos Reis Morbey Affonso. - O Assessor, Alberto Miguel Faria Pestana.

Fui presente, por videoconferência, a Procuradora-Geral Adjunta, Joana Marques Vidal.

ANEXOS

ANEXO I

Quadro síntese da eventual responsabilidade financeira

A situação de facto e de direito integradora de eventual responsabilidade financeira, à luz da Lei 98/97, de 26 de agosto, encontra-se sintetizada no quadro seguinte:

(ver documento original) Os elementos de prova encontram-se arquivados na Pasta da Documentação de Suporte da Auditoria, Volume I, separadores 4, 5 e 6.

ANEXO II

Enquadramento legal

Constituição da República Portuguesa

Artigo 22.º

Responsabilidade das entidades públicas

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

Artigo 117.º

Estatuto dos titulares de cargos políticos

Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas ações e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.

A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do respetivo incumprimento, bem como sobre os respetivos direitos, regalias e imunidades.

A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respetivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato.

Artigo 271.º

Responsabilidade dos funcionários e agentes

Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis, civil, criminal e disciplinarmente pelas ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a ação ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica.

É excluída a responsabilidade do funcionário ou agente que atue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiver reclamado ou tiver exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito.

Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime.

A lei regula os termos em que o Estado e as demais entidades públicas têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes.

Lei 67/2007, de 31 de dezembro (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, por danos resultantes das funções político-legislativa, jurisdicional e administrativa)(48).

Artigo 8.º Responsabilidade solidária em caso de dolo ou culpa grave Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo.

O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

Sempre que satisfaçam qualquer indemnização nos termos do número anterior, o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público gozam de direito de regresso contra os titulares de órgãos, competindo aos titulares de poderes de direção, funcionários ou agentes responsáveis, de supervisão, de superintendência ou de tutela adotar as providências necessárias à efetivação daquele direito, sem prejuízo do eventual procedimento disciplinar.

Lei 34/87, de 16 de julho(49) (crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos)

Artigo 2.º

Definição genérica

Consideram -se praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, além dos como tais previstos na presente lei, os previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício ou os que mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.

Artigo 14.º

Violação de normas de execução orçamental

O titular de cargo político a quem, por dever do seu cargo, incumba dar cumprimento a normas de execução orçamental e conscientemente as viole, nomeadamente, contraindo encargos não permitidos por lei será punido com prisão até um ano.

ANEXO III

Serviços relacionados com processos jurisdicionais da SRMTC

(ver documento original)

ANEXO IV

Serviços relacionados com processos de auditoria da SRMTC

(ver documento original)

ANEXO V

Identificação das ordens de pagamento e dos responsáveis

AMRAM

(ver documento original)

CMCL

(ver documento original)

CMPM

(ver documento original)

ANEXO VI

Relação Nominal dos Responsáveis

1 - AMRAM

(ver documento original)

2 - CMCL

(ver documento original)

3 - CMPM

(ver documento original) Ação: Auditoria orientada para a assunção, pelas autarquias, de encargos com serviços de advocacia/consultadoria jurídica relacionados com ações desenvolvidas pelo TC.

Entidade fiscalizada: AMRAM, CMF, CMCL, CMPM, CMPS.

Sujeito passivo: AMRAM, CMF, CMCL, CMPM, CMPS.

ANEXO VII

Nota de emolumentos e outros encargos

(ver documento original) (1) Diploma que aprovou o regime jurídico dos emolumentos do TC, retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-A/96, de 29 de junho, e na nova redação introduzida pela Lei 139/99, de 28 de agosto, e pelo artigo 95.º da Lei 3-B/2000, de 4 de abril.

Distribuição dos emolumentos a pagar pelas entidades auditadas (ver documento original) (1) Através da Resolução 34/2009-PG, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 251, 30 de dezembro de 2009.

(2) Lei 29/87, de 30 de junho, com a redação introduzida pela Lei 52-A/2005 (republicação do Estatuto dos Eleitos Locais).

(3) Que sofreu muitas alterações, sendo que estas não abrangeram as normas em análise.

(4) Note-se que o termo "parte" deve, no nosso entender, ser interpretado no seu sentido lato, já que em certos tipos de processos, como o penal, não existe "parte", mas sim "intervenientes processuais", sendo "parte", se interpretado restritamente, apenas nos processos civis ou de natureza cível.

Aliás, se fosse interpretado de forma restrita, o "Parecer" citado pelos presumíveis responsáveis não seria aplicável ao caso crime a que se reportou e, muito menos, poderia ser invocado nos casos de infração financeira.

(5) Lei 67/2007, de 31 de dezembro.

(6) Ainda que possa ter, no fundo, uma natureza similar à civil.

(7) Manifestamente de natureza penal, ou se se preferir, contravencional (esta já desaparecida no léxico legal), por traduzir-se em multas.

(8) Cf., quanto à pena criminal, art. 71º, n.º 2, al. b) do C. Penal.

(9) Com a particularidade adiante indicada.

(10) Inclusive os da C.M. Ponta do Sol.

(11) Na medida em que o art.º 21.º do EEL só admite o patrocínio judiciário dos responsáveis quando, entre outros requisitos, não se prove que atos praticados tenham sido praticados com dolo ou negligência.

(12) Cfr. a Sentença n.º 03/2008, o Acórdão 05/2009-3.ª SPL e a Sentença n.º 5/2009, respetivamente.

(13) Alterada pela Lei 52-A/2005, de 10 de outubro.

(14) Através da Resolução 34/2009-PG, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 251, 30 de dezembro de 2009.

(15) Lei 29/87, de 30 de junho, com a redação introduzida pela Lei 52-A/2005 (republicação do Estatuto dos Eleitos Locais).

(16) Aprovado pela Resolução 2/99, da 2ª Secção, do Tribunal de Contas, de 28 de janeiro, e aplicado à SRMTC pelo Despacho regulamentar n.º 1/01-JC/SRMTC, de 15 de novembro.

(17) Cfr. o ofício n.º 1299, de 13.05.2011, da AMRAM; o ofício n.º 1331, de 17.05.2011, do ex-presidente da CMPM; o ofício n.º 0123-GAP, de 01.08.04, do Presidente da CMF; o;ofício n.º 1408, de 23.05.2011, do técnico superior da CMCL, o ofício n.º 1409, de 23.05.211 do Presidente da CMCL; o ofício n.º 1414, de 23.05.2011 do Presidente da CMPM; o ofício n.º 1406, de 23.05.2011 do Presidente da Câmara Municipal da Ponta do Sol.

(18) Alterada pela Lei 52-A/2005, de 10/10.

(19) O art.º 1.º da Lei 29/87 considera eleitos locais «os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias».

(20) Que dispõe o que "As despesas provenientes de processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte, desde que tais processos tenham tido como causa o exercício das respetivas funções e não se prove dolo ou negligência por parte dos eleitos.".

(21) A atividade de gestão pública pode originar, cumulativamente, vários tipos de responsabilidade, nomeadamente, civil, criminal e financeira, para além da responsabilidade política, disciplinar e social. Os termos em que os eleitos locais podem responder civil e criminalmente estão previstos nos diplomas enumerados no Anexo II.

(22) De acordo com o n.º 1 do art.º 58.º da LOPTC, "A efetivação de responsabilidades financeira tem lugar mediante processos de julgamento de contas e de responsabilidades financeiras.".

(23) Estão sujeitas à jurisdição e controlo financeiro do TC todas entidades que gerem e utilizam dinheiros públicos, independentemente da sua natureza jurídica (cfr. os art.os 2.º e 5.º, n.º1 da LOPTC).

(24) Abrange a análise e conferência apenas para demonstração numérica das operações realizadas que integram o débito e o crédito da gerência com evidência dos saldos de abertura e de encerramento e, se for caso disso, a declaração de extinção de responsabilidade dos tesoureiros. A verificação interna é efetuada pelos serviços de apoio do Tribunal e deve ser homologada, no caso da SRMTC, pelo seu juiz.

(25) Tem por objeto apreciar as situações apontadas no art.º 54.º da LOPTC, sendo realizada com recurso aos métodos e técnicas de auditoria, decididos, em cada caso, pelo Tribunal.

(26) As guias para pagamento das multas e os comprovativos do seu pagamento pelos responsáveis são nominativas, não havendo indícios de que as entidades públicas envolvidas se tenham substituído aos demandados.

(27) Segundo esta disposição legal "constituem encargos a suportar pelas autarquias respetivas as despesas provenientes de processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte, desde que tais processos tenham tido como causa o exercício das respetivas funções e não se prove dolo ou negligência por parte dos eleitos."

(28) Em matéria de responsabilidade financeira, é aplicável o Código Penal, cujo art.º 14.º prevê três graus de dolo (cfr. Dicionário Jurídico, Direito Penal e Direito Processo Penal, Vol. II, Ana Prata e outros): "(...) O dolo direto, de acordo com o qual o agente representa e quer a produção do facto típico (n.º 2);

O dolo necessário, em que o agente representa como efeito necessário da conduta a produção de um dado evento, e, não obstante, atua (n.º 2);

O dolo eventual, neste caso, o agente prevê a possibilidade da produção de um dado evento e atua conformando-se / aceitando a concretização desse evento (n.º 3)."

(29) Segundo o art.º 15.º do mesmo Código, "Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização" (negligência consciente); ou "b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto" (negligência inconsciente). A negligência grosseira é um grau particularmente grave de negligência, que se traduz no incumprimento especialmente intenso dos deveres de cuidado.

(30) Publicado na 2.ª Série do Diário da República, 196, de 9/10/2009.

(31) Em que estava em causa, em 2005, a omissão da contabilização de faturas e a aprovação pela CMPS de um orçamento inicial que não previa dotação suficiente para a cabimentação de todos os encargos nas rubricas adequadas. Também estava em causa a falta de diligência na promoção das alterações/revisões orçamentais necessárias à regularização da situação orçamental do município.

(32) Inconformado com a decisão da 1.ª instância (Sentença n.º 4/2008), o Magistrado do Ministério Público recorreu da sentença (Recurso n.º 1/2009-FS), para a 3.ª Secção do TC que, no Acórdão 2/2009-3S, considerou procedente o recurso e decidiu reenviar o processo à 1.ª instância para reformulação da Sentença. Nessa sequência foi proferida a Sentença n.º 1/2010, que foi, também ela, objeto de recurso (Recurso 1/2010-FS), o qual ainda não foi decidido.

(33) O presidente da CMPS, através do Despacho da Presidência n.º 03/2009, de 3 de março de 2009, autorizou as referidas despesas e pagamentos invocando al. o) do n.º 1 do art.º 5.º e o art.º 21.º EEL "Considerando que através da sentença 4/2008 Manuel Rafael Inácio (Eleito Local), foi absolvido do pedido contra ele formulado."

(34) Por exemplo na al. c) da decisão da Sentença n.º 5/2009 (CMPM) é referido que "Parcialmente procedente, por provada, nos exatos termos expostos, a ação que o Ministério Público move ao mesmo demandado, por violação do disposto nos pontos 2.6.1 e 2.3.4.2, al. d) do POCAL, e 65º, n.º 1, al. b) da Lei 98/97, de 26/8, declarando-o culpado da infração apontada, na forma continuada, a título de negligência".

(35) Assinada pelo Técnico Superior Nuno Barata.

(36) Cfr. a Inf. 0002.8.IF.CTDAV, de 05/06/2008. Proc.º 66/2006.

(37) Que dispõe que "Essa responsabilidade pode recair ainda nos funcionários ou agentes que, nas suas informações para os membros do Governo ou para os gerentes, dirigentes ou outros administradores, não esclareçam os assuntos da sua competência de harmonia com a lei.".

(38) O art.º 80.º da LOPTC indica qual é a Lei aplicável ao processo no TC, dispondo que, em matéria sancionatória, aplica-se o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil no que respeita à 3.ª Secção.

(39) Com efeito, no Parecer 81/2007 do Conselho Consultivo da PGR, defende-se que "Os titulares dos órgãos das autarquias locais, como dissemos, não respondem civilmente pelos atos ilícitos praticados com culpa leve no exercício das suas funções. Por isso, deve entender-se que, nestes casos, também lhes deve ser concedido o apoio, pois, embora o artigo 21.º da Lei 29/87 se refira à "negligência", deverá considerar-se aplicável apenas à culpa grave"[71]. Se o eleito local não responde civilmente perante terceiros pelos atos praticados com culpa leve no exercício de funções, nada justificaria que não lhe fosse concedido o apoio numa ação de indemnização intentada contra ele com fundamento em culpa grave e se viesse a provar apenas a culpa leve. A razão de ser é a mesma. «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento do legislador, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico...»[72].

Portanto, nos casos de culpa leve (quando o ato tiver sido praticado pelo eleito local com diligência e zelo não manifestamente inferiores aos que se encontrava obrigado em razão do cargo) a autarquia deve prestar o apoio.".

Todavia, convém ter presente, também, os n.os 2 e 3 do art.º 9.º do Código Civil, que não foram citados no referido Parecer (só foi invocado o n.º 1 do mesmo art.º 9.º), que estabelecem que:

"2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.".

(40) Apesar do Ministério Público ter requerido a multa de 2 880,00 (euro).

(41) Na Sentença n.º 5/2009, o ex-presidente da CMPM foi condenado mas com dispensa de aplicação de pena, onde se conclui que "não deixa de ser evidente o diminuto grau de culpa com que atuou".

(42) No Acórdão 05/2009-3.ª Secção - Plenário, que confirmou a Sentença n.º 1/2009, segundo a qual, "afigura-se justa e adequada a atenuação especial da pena, pelas razões acabadas de descrever quanto à diminuta ilicitude e ao diminuto grau de negligência com que os demandados atuaram (...)".

(43) Verifica-se que, de facto, no caso da AMRAM, a Sentença n.º 3/2008 refere que "(...) tendo em conta a factualidade provada (...) não deixa de ser evidente o diminuto grau de culpa com que atuou" e que "mostra-se claramente desproporcionado dos factos (...) o próprio mínimo legal de 15 UC".

(44) Proc.os n.os 3 e 4/2010 - JRF, respetivamente, referente à empreitada de construção da biblioteca municipal (Relatório de Auditoria n.º 19/2009-FC) e a quatro contratos de empreitada (Relatório de Auditoria n.º 5/2009-FC).

(45) Segundo o qual: "1 - Nos casos sujeitos à sua apreciação, o Tribunal de Contas ouve os responsáveis individuais e os serviços, organismos e demais entidades interessadas e sujeitas aos seus poderes de jurisdição e controlo financeiro."

(46) Cujo teor se transcreve: "As despesas só podem ser cativadas, assumidas, autorizadas e pagas se, para além de serem legais, estiverem inscritas no orçamento e com dotação igual ou superior ao cabimento e ao compromisso, respetivamente".

(47) Diploma que aprovou o regime jurídico dos emolumentos do Tribunal de Contas, retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-A/96, de 29 de junho, e na nova redação introduzida pela Lei 139/99, de 28 de agosto, e pelo art.º 95.º da Lei 3-B/2000, de 4 de abril.

(48) Revogou os artºs 96.º e 97.º da Lei 169/99, de 18/09.

(49) Alterada pelas Leis n.os 41/2010, de 3/09, e 4/2011, de 16/02.

206372095

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2012/09/13/plain-303559.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/303559.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1913-07-24 - Lei 83 - Ministério do Fomento - Secretaria Geral

    Estabelece o direito à assistência clínica, medicamentos e indemnização para os operários e empregados vítimas de acidente de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1987-06-30 - Lei 29/87 - Assembleia da República

    Estatuto dos Eleitos Locais.

  • Tem documento Em vigor 1987-07-16 - Lei 34/87 - Assembleia da República

    Determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções que lhes são aplicáveis.

  • Tem documento Em vigor 1996-05-31 - Decreto-Lei 66/96 - Ministério das Finanças

    Revê o regime jurídico dos emolumentos do Tribunal de Contas.

  • Tem documento Em vigor 1997-08-26 - Lei 98/97 - Assembleia da República

    Aprova a lei de organização e processo do Tribunal de Contas, que fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas pública, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidade por infracções financeiras exercendo jurisdição sobre o Estado e seus serviços, as Regiões Autónomas e seus serviços, as Autarquias Locais, suas associações ou federações e seus serviços, bem como as áreas metropolitanas, os institutos públicos e as instituições de segurança social. Estabelece normas sobre o f (...)

  • Tem documento Em vigor 1999-02-22 - Decreto-Lei 54-A/99 - Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território

    Aprova o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), definindo-se os princípios orçamentais e contabilísticos e os de controlo interno, as regras provisórias, os critérios de volumetria, o balanço, a demonstração de resultados, bem assim os documentos previsionais e os de prestação de contas.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-28 - Lei 139/99 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração ao regime jurídico dos emolumentos do Tribunal de Contas.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2000-04-04 - Lei 3-B/2000 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2000.

  • Tem documento Em vigor 2005-10-10 - Lei 52-A/2005 - Assembleia da República

    Altera o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos de autarquias locais. Introduz alterações às Leis n.ºs 4/85 de 9 de Abril, 29/87 de 30 de Junho, 9/91 de 9 de Abril, 7/93 de 1 de Março e 144/85 de 31 de Dezembro, bem como ao Decreto-Lei nº 252/92 de 19 de Novembro. Republicadas na íntegra as leis n.ºs 4/85 de 09 de Abril e 29/87 de 30 de Junho.

  • Tem documento Em vigor 2006-08-29 - Lei 48/2006 - Assembleia da República

    Altera (quarta alteração) a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto. Republicada em anexo.

  • Tem documento Em vigor 2007-12-31 - Lei 67/2007 - Assembleia da República

    Aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e altera (sexta alteração) o Estatuto do Ministério Público.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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